terça-feira, 9 de julho de 2013

ALEXANDRE HORNER, POETA PARA SEMPRE

O poeta Alexandre Horner em 2003.


Folha de Londrina
09/07/2013

A BRISA DO DESEJO

Marcos Losnak
Especial para a Folha2

Com um jeito peculiar de utilizar as palavras, Alexandre Horner via a poesia como "um elixir fluído de palavras"
Alexandre Horner em 2003, quando lançou seu livro "Literacura", pela Atrito Art
Segundo a lenda, quando morre um poeta, a percepção do mundo fica um pouco limitada. As pedras voltam a ser apenas substância mineral. O céu volta a ser apenas um teto chuvoso. O inverno volta a ser apenas uma estação fria. E os sentimentos voltam a se proteger no ancoradouro da razão.
Na semana passada Londrina perdeu o poeta Alexandre Horner. O excesso de chuva, que geralmente impulsiona o recolhimento, encobriu uma morte silenciosa. Um tipo de discrição onde nem a possibilidade do adeus abriu as janelas de um junho úmido e aguado.
Alexandre Horner nasceu em Londrina em 1966. Começou a sua produção poética quando entrou no curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, em 1983. Em 1984 passou a propagar seus versos através de leituras orais. Arquiteturas semânticas eram convertidas em eletricidade vocal e corporal. Os músculos impulsionados pelo verbo davam origem a performances hipnóticas, desconexas e originais. Dessa época, poemas como "Macaco Boris", "Chorobanjos" e "Quizumba Frenética", tornaram-se clássicos.
Seu primeiro e único livro, "Literacura", foi publicado em 2003 pela editora Atrito Art. O dramaturgo Maurício Arruda Mendonça, que organizou o volume, lembra que foi um longo processo de idas e vindas: "Ele vinha em casa e ficávamos discutindo os poemas, o sentido de cada um deles, a melhor forma de construir um caminho para o leitor chegar à poesia. Lembro que ele estava bastante entusiasmado e um pouco ansioso. Mas era muito meticuloso, germânico no encaminhamento do trabalho. Posso dizer que ele estava vivendo um momento criativo muito intenso. As conversas eram muito ricas, ele sabia muito de poesia e da estética que ele havia desenvolvido."
Não é uma tarefa fácil definir sua poesia. Seus versos possuem uma linguagem própria, um jeito peculiar de utilizar as palavras. Na definição de Arruda Mendonça, Horner é "um lírico erótico, um investigador da linguagem, certamente um dos principais poetas da geração surgida nas décadas de 80 e 90". A temática geralmente permeia as questões do corpo, do prazer e do sexo. Os jogos de sedução são poetizados segundo os impulsos da juventude. Alguns versos percorrem o território do homoerotismo onde a experiência do contato com o outro é apresentada como um sorriso perante a vida e suas agruras.
Elementos místicos também estão presentes em sua poética: mitos de deus gregos, divindades nórdicas, druidas, animais totêmicos, runas e Tarot. Na avaliação de Mendonça, esses elementos estariam ligados "a uma metafísica do desejo, um certo animismo, um apetite pelos mistérios da vida".
Publicado há exatamente 10 anos, "Literacura" traz a ideia da literatura como instrumento de cura. A escrita como processo de eliminação de enfermidades. Para Mendonça, Horner também pensava na ideia da poesia como um elixir: "Um ‘elixir fluído de palavras’, como ele próprio diz no poema ‘Pangéia’. Ele parece relacionar essa cura à ingestão de um fármaco que traz a ‘eterna juventude’, a ‘longa vida’, capaz de afastar o tédio. O poeta curandeiro que oferece, no lugar do tédio e da melancolia, os encontros dos amantes, as surpresas da descoberta do outro que se deseja."
Segundo a lenda, quando morre um poeta, o desejo do mundo fica um pouco recolhido. As enfermidades voltam a dilapidar os sorrisos do corpo. E o céu volta a ser apenas um teto chuvoso.



LOBA

Teus lábios
lambi lóbulos vermelhos
como lobo lambi teus lábios de fêmea
como homem mordi teus lábios de loba
O bote das línguas bêbadas
é o boom das noites cálidas
te quero sempressim
amadadiamante me
rebrilhamando


(Poema de Alexandre Horner que integra o livro "Literacura")