domingo, 4 de julho de 2010

A PERENIDADE DE ROBERTO PIVA


A VIDA REAL ME CARREGA NO AR COMO UM GIGANTESCO ABUTRE

A verdade dos deuses
carnais como nós & lânguidos
não provém do nada
mas do desejo trovejante do coração
partido pelo amor
em sua disparada pelo rosto de um
adolescente
com sua fúria delicada
cruzo avenida insones & corroídas
de chuva
minha mão alcança minha dor
presente
& me preparo para um dia duro
amargo & pegajoso
a tarde desaba seu azul sobre
os telhados do mundo
você não veio ao nosso encontro & e eu
morro um pouco & me encontro só
numa cidade de muros
você talvez não saiba do ritual
do amor com uma fonte
a água que corre não correrá
jamais a mesma até o poente
minha dor é um anjo ferido
de morte
você um pequeno deus verde
& rigoroso
horários de morte cidades cemitérios
a morte é a ordem do dia
a noite vem raptar o que
sobra de um soluço.


Roberto
Piva se foi ontem. Era um dos maiores poetas brasileiros. Lembro-me de ouvir Haroldo de Campos elogiando a poesia de Piva, suas metáforas brilhantes, sua métrica espraiada, e principalmente a liberdade de sua lírica homoerótica. Ouvir isso de um erudito como Haroldo (que devia ter levado um Nobel, com justiça) era uma surpresa pela abertura de visão da poesia brasileira, e pela confirmação de que Roberto Piva era um dos grandes. Sua poesia rebelde, surreal, dionisíaca, permanecerá pra sempre. Uma antologia séria dos principais poemas brasileiros de todos os tempos certamente figurará a obra-prima "A Vida Real Me Carrega no Ar..." de Robero Piva.


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