domingo, 7 de novembro de 2010

A CRITICA DA VEJA-RIO



Patrícia Selonk (Zoé), Thales Coutinho (Téo) e Ricardo Martins (Espectro) - Foto: João Gabriel Monteiro.

ANGÚSTIAS CONTEMPORANEAS

Nova montagem da Armazém Companhia de Teatro aborda crises existenciais com humor ferino

Avaliação: três estrelas

Carlos Henrique Braz


Com levada experimental, a comédia dramática Antes da Coisa Toda Começar cativa mais pela forma como é apresentada do que propriamente por seu conteúdo. Rebuscado e repleto de observações sarcásticas sobre o cotidiano moderno, o texto de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes explora conflitos existenciais de quatro personagens e suas dificuldades de superar tais problemas. Um deles é o Espectro (Ricardo Martins), fantasma de um ator preso a um teatro abandonado, que traça paralelos entre suas memórias e a vida de três pessoas. A atormentada Zoé (Patrícia Selonk) sofre por suas possessivas paixões não correspondidas. Téo (Thales Coutinho) é um ator insatisfeito com a carreira e em questionamento sobre a vocação. Já Léa (Simone Mazzer) é uma talentosa cantora, cujo desequilíbrio a leva a tentar suicídio. A atmosfera pesada da trama é atenuada pela ágil encenação comandada por Moraes, com bons desempenhos dos sete integrantes do elenco. Além de atuarem, os atores tocam guitarra, baixo, bateria, violão, teclado e acordeão, ora como fundo musical em certas cenas, ora nas canções entoadas por Simone, dona de possante voz. A eficiente cenografia conta com projeções psicodélicas dos irmãos Rico e Renato Vilarouca, conferindo uma estética de videoclipe à produção.

******

O QUE EU ACHEI DA CRITICA 

Essa lida teatral obriga sempre a ponderar o tempo todo. É um dos privilégios dessa arte do puro diálogo. Aceito serenamente que as pessoas e os críticos sérios não apreciem o meu trabalho, mas também, como um dos dramaturgos do espetáculo, sinto-me na obrigação de contrargumentar, até porque o teatro se realiza necessariamente na arena pública.
Em primeiro lugar não acho que Antes da Coisa Toda Começar seja uma "comédia dramática", já que comédia e tragédia são inequivocamente dramas. Um olhar mais detido sobre o espetáculo concluirá que Antes é essencialmente uma tragicomédia. Outra coisa de que discordo: dizer que nosso humor é "ferino", de "fera", e, por extensão, "desumano". Ao contrário, entre as várias modalidades de humor que empregamos (autores e atores), que incluem o farsesco e o patético, há a predominância do humor trágico aquele no qual rimos à beira do abismo, no caso, da morte que nos espreita a todo momento. Mas entendo que até poderíamos ser "ferinos" se considerarmos que o ser humano é fera, como é de fato, mas nesse sentido ainda voltaríamos à realidade da obra que apresenta um humor  "demasiadamente humano", como diria Bigode.
Compreendo  e aceito que a peça não tenha angariado o interesse de Carlos Henrique Braz. Só não compreendo como é possível  dissociar a forma do conteúdo de qualquer espetáculo. Forma e contéudo estão em permanente tensão dialética. Acredito naquilo que diz o poeta Rodrigo Garcia Lopes: "Forma é extensão do conteúdo". Com essa reflexão em mente eu e Paulo escrevemos todos os nossos textos, sem esquecer que Paulo é o diretor artístico do espetáculo e cuida justamente dessa ínteração. Há que se lembrar ainda das implicações de forma e conteúdo na criação dos atores, que são o centro do fenômeno teatral, como todo mundo sabe.
É perfeitamente compreensível que Carlos Henrique Braz não tenha sido atraído pelo conteúdo do espetáculo. Se o teatro é um espelho de nossa carne e espírito, é lícito imaginar que não houve nada no que foi dito em cena que espelhasse alguma experiência vivida pelo espectador-resenhista. Daí porque somente a "forma"  lhe merecesse a atenção. 
Agora, perdoe-me o crítico, "levada experimental" é expressão esparadrapo, que mais rotula do que ajuda a iluminar  em profundidade o teor ético e estético do espetáculo. Se temos uma "levada" ela tem a ver com o tesão de revelar o humano, de contar histórias,  como diz  o personagem travesti Rufus. Pra nós é questão vital desde a nossa adolescência, por força da nossa formação artistica e pessoal, ter efetivamente o que dizer com o teatro.  Fazemos teatro para comunicar algo vital, urgente e compartilhar com cada uma das pessoas que nos assistem .Sem ter o que dizer, nada teria sentido pra gente.
Mais outros rótulos de ocasião, com os quais - respeitosamente - não concordo: "crise existencial" e "angústia". Como todo rótulo acaba sendo uma elipse, porque omite aquilo que é fundamental dizer, falar-se em "crise existencial" acaba sendo (querendo ou não) uma maneira de tentar pacificar o medo das pulsões que o espetáculo provoca. O mecanismo é simples: rotula-se, domestica-se e nada mais é preciso dizer. Digo mais, essa expressão acaba fazendo tabula rasa dos conflitos singularíssimos que cada personagem vivencia, e, principalmente não lança luz sobre a tremenda força de superação que cada personagem da história apresenta. Falamos de morte para compor um hino à força-de-vida. E isso as pessoas têm nos dito que chega até elas, e que fica marcado em suas sensibilidades.
Em decorrência disso, também não posso aceitar o rótulo de "angústia" para o sentimento geral da peça, pois a angústia é um sentimento relacionado com a espera. Em Antes da Coisa Toda Começar  não se trata jamais de angústia porque não tratamos de esperanças vãs ou metáfisicas que sejam. Falamos de coragem, isso sim. Como contou meu amigo Tadeu Lotufo, do alto de seus vinte e poucos anos: "Depois que a gente assiste Antes a gente sente uma vontade forte de sair do teatro e viver a vida intensamente."   

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial