quarta-feira, 2 de março de 2011

CRITICA DE "ANTES" NA FOLHA DE SÃO PAULO


Espetáculo atravessa abismo da crise da representação teatral

"Antes da Coisa Toda Começar" encena luta de um ser contra os próprios fantasmas em narrativa não linear 


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA 


O espetáculo posto em risco. "Antes da Coisa Toda Começar", da Armazém Cia. de Teatro, é um corajoso mergulho na indefinição das formas teatrais contemporâneas. Sem facilitar a recepção, impacta com a matéria cênica em bruto, carregada de sons e desempenhos.
O encenador Paulo Moraes, mais uma vez, escreve a dramaturgia em parceria com Maurício Arruda Mendonça. Os autores radicalizam na estrutura dramática, abdicando de um fio narrativo linear. A opção é pelo empilhamento de referências e narrativas, vagamente imantadas no eixo temático da criação artística.

ESTILHAÇOS

O ponto de partida é a suposição de que o espectro de um ser humano -ex-ator, personagem ou emanação- esteja em luta com seus próprios fantasmas.
Estes configuram identidades prosaicas com arcos de ação que se desenvolvem em paralelo, mas tendo em comum a hipótese de uma imaginação atormentada estilhaçando-se em fragmentos de sentido.
Para efetivar essa ciranda de encarnações fugidias, a utilização de canções e a pontuação musical constante são uma opção feliz. Todo elenco reveza-se para sustentar um denso pano de fundo sonoro, articulado pela sutil direção musical de Ricco Viana.
Outro aspecto decisivo é a cenografia do próprio Paulo Moraes e de Carla Berri, que configura um jogo fascinante de paredes móveis, ora armando um espaço de confinamento, ora expandindo-se e acolhendo a projeção de imagens de forma orgânica.
Poucos adereços engenhosos servem ainda aos fiapos de ficção remanescentes. Este aparato cênico seria inútil não fosse o extraordinário desempenho dos intérpretes. A começar por Ricardo Martins, compondo a difícil e imaterial figura do espectro e dobrando em um vibrante travesti.
Thales Coutinho, como o ator em crise, é pungente, e a sempre ótima Patrícia Selonk fulgura como uma adolescente inflamada de desejos.
O maior destaque é Rosana Stavis, que se confirma como uma das grandes atrizes brasileiras no momento ao cantar alguns rascantes números musicais com a energia de uma diva.
Camila Nhary, Simone Viana e Marcelo Guerra, assumindo vários papéis, completam o quadro de excelência das interpretações. "Antes da Coisa Toda Começar" é uma travessia no abismo da crise da representação dramática. Sem pretender redenções, procura trilhas possíveis para continuar narrando algo. Ainda que seja o irredutível embate entre o vivo e o morto.

ANTES DA COISA TODA COMEÇAR

QUANDO qua. a sáb., às 19h30, e dom., às 18h; até 3/4
ONDE Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, 3113-3651)
QUANTO de R$ 15
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo

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