quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

ADEUS A ARY VIDAL


O único esporte que pratiquei com afinco e amor foi o basquete. Comecei ali por 1975. Tive grandes mestres que me ensinaram a arte do arremesso, do gancho, dos passes, do maravilhoso jogo coletivo e suas estratégias ensaiadas. E naqueles anos 70 tínhamos pouco ou nenhum conhecimento dos jogos dos americanos. Víamos esses craques apenas em olimpíadas quando EUA X URSS era uma guerra muito mais do que esportiva, na realidade, uma guerra ideológica. Mas não deixávamos de admirar o grande técnico Alexandr Gomelski, o baixinho que mandava nos gigantes soviéticos e davam um suador danado nos blacks americanos que, quase sempre levavam a melhor - e não ainda não eram os craques da NBA. Nossos heróis do basquete eram mesmos os jogadores brasileiros. Tínhamos sido bicampeões mundiais, e nomes como Kanela, Amauri Passos, Rosa Branca, Edson Bispo dos Santos e muitos outros, nos enchiam de orgulho.
Eu não perdia jogos da seleção brasileira no final da década de 70, uma época em que a Rede Globo realmente prestigiava o esporte e então em qualquer final de noite lá estavam meus heróis: Ubiratã, Helio Rubens, Marquinhos, Fausto, Carioquinha, Gilson, Adilson, Marcel, Mauri, Oscar, depois Guerrinha, Gerson, Paulinho Vilas-Boas, Israel, Cadum, Pipoca e tantos outros craques. 
Senti muito a morte desse grande nome do esporte brasileiro. Senti mesmo.  Hoje acho o basquete brasileiro meio sem emoção. Mas no tempo de Ary Vidal a coisa era outra. A camisa amarela pesava, a garra era enorme de cada um dos jogadores titulares e reservas.
Me lembro muito do campeonato mundial das Filipinas. Eu estava eletrizado por aquele time de astros. A NOSSA seleção de basquete. A transmissão por televisão não funcionava direito. As transmissões eram canceladas. Lembro-me de atravessar a rua de casa e ir ouvir os jogos no rádio (imaginem só!) na casa de madeira de meu amigo Helio Morimoto. Era tão emocionante que o radialista, acho que da Jovem Pan, gritava "Gol!" a cada cesta do Brasil. Na disputa da medalha de bronze contra Italia conseguimos assistir pela TV. Lá estava o Ary Vidal firme e forte, impassível comandando aqueles gênios da cesta: Carioquinha -nunca vi alguém controlar uma bola como ele, um jogar espertíssimo, veloz, que roubava a bola do adversario como um mágico e fazia aquelas surpreendentes pontes aéreas para Oscar enterrar - na época Oscar enterrava!; Marcel - desconjuntado, parecia sempre estar sem preparo físico, mas que arremessador, que inteligência; Oscar - sem dúvida um dos maiores jogadores da história do basquete; Gilson, forte e seguro nos rebotes; Marquinhos Abdalla, grande pivô, simplesmente um dos maiores jogadores do basquete brasileiro, pouco lembrado, um gênio, matador no garrafão. E revezando: Hélio Rubens, um mestre, uma seriedade e um arremesso à antiga com as duas mãos/pulsos; Fausto Gianecchini, armador seguro, inteligente, raçudo; e a lenda-viva Ubiratã, campeão em 1962, aquele que não marcava nenhum ponto, mas era o soberano da marcação e da defesa. E a frente desses gigantes, estava aquele careca de óculos, numa mistura de ar aristocrático com neurótico, um verdadeiro maestro, imperturbável, Ary Vidal. Um estrategista napoleônico, que acreditava que a melhor defesa é o ataque - e que como atacávamos! Erravamos muito, mas vencíamos muito. Não vou lembrar aqui a magnifica vitoria de Ary e do time no Panamericano de Indianapolis em 1987, quando acabamos com os norte-americanos dentro de casa. Quero lembrar meu encanto de garoto, o momento mágico que foi aquela cesta de Marcel no último segundo do jogo contra a itália no Mundial de 1978, em Manilla, acertando o arremesso quase do meio da quadra. Que alegria! Que magia! Sim, não quero lembrar do ouro, mas do bronze, humilde bronze, de que são feitas as estátuas. Ary Vidal certamente merece uma.  Valeu, Ary. Aceite o agradecimento do torcedor menino por tantas jornadas inesquecíveis!

* * *

Ary Vidal morre aos 77 anos, no Rio

EDGARD ALVES  - FOLHA DE SÃO PAULO

O técnico Ary Vidal morreu nesta segunda-feira por volta das 13h, aos 77 anos, em sua residência no bairro de Copacabana, zona sul do Rio, informou a CBB (Confederação Brasileira de Basquete).
O enterro será realizado nesta terça-feira (29), no Cemitério do Caju, às 11h. O velório acontece de 8h às 11h, na capela "F".
Vidal nasceu no Rio de Janeiro, em 28 de dezembro de 1935, dia de Santo Inocêncio, muito venerado no Peru, coincidentemente, onde ele também teve êxito com as seleções peruanas masculina e feminina, na década de 70. O reconhecimento do seu trabalho naquele país era motivo para dizer que se sentia brasileiro e peruano.
Jogou basquete de 1948 a 1961, quando iniciou a carreira de técnico, na qual teve como guru Togo Renan Soares, o Kanela. Era formado em educação física. Ministrou cursos, palestras e clínicas no Brasil e no exterior.

O TREINADOR

Ary Ventura Vidal foi um dos mais destacados técnicos da história do basquete brasileiro. Dirigiu a seleção nacional masculina na campanha da medalha de bronze no Mundial de Manila, em 1978, e na conquista do título dos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987. Nesta última, o time do Brasil superou o dos EUA na decisão, uma das vitórias mais festejadas do esporte brasileiro, pois os adversários contavam com jogadores que logo ingressariam na NBA, a liga profissional norte-americana. Além disso, o rival desfrutava da fama de imbatível em casa e o Pan, na época, era uma competição com maior relevância do que na atualidade. Com Vidal, a seleção arremessava cerca de 20% a mais de bolas do que os adversários. Portanto, podia desperdiçar mais.

Antes de assumir a profissão de técnico de basquete, ele trabalhou como estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Certamente, esse conhecimento o ajudou no esporte. Como já escrevi nesta Folha, até meados dos anos 80, a bola certeira de quadra valia dois pontos. Aí ocorreu a introdução da cesta de três pontos, com arremessos de uma marca mais distante. Uma decisão atrevida de Vidal, e adequada à nova etapa, impulsionou a mentalidade já ofensiva da seleção, com enfoque na velocidade e arremesso. É bom lembrar que o Brasil tinha Oscar e Marcel, exímios arremessadores. Até nos contra-ataques previa chutes de três pontos, que, se falhassem, contavam com jogadores altos postados para o rebote ofensivo e a cesta de dois pontos.

Aos poucos, os rivais absorveram a nova realidade e perderam o receio do uso dos lances de três pontos. Coincidentemente, a seleção começou a colher fracassos --Vidal já estava fora do time-- e a mentalidade ofensiva passou a sofrer pesadas criticas.

Com a seleção, ele enfrentou uma forte crise no Pan-79, em Porto Rico, quando o time terminou com o bronze. Ao prestigiar novatos como titulares --Marcel e Oscar, entre outros--, os veteranos discordaram e se rebelaram. Houve troca de acusações via mídia, um vexame.

O site da Confederação Brasileira de Basquete registra ter Vidal dirigido a seleção nacional masculina em 16 competições, com destaques para as Olimpíadas (5º em Seul-88 e 6º em Atlanta-96); Torneios Pré-Olímpicos das Américas (campeão no Uruguai-88 e 3º nos EUA-92 e Argentina-95) e Mundiais (3º nas Filipinas-78 e 4º na Espanha-86). Em Pans, além do ouro em Indianápolis-87, foi bronze em San Juan-79 e Mar del Plata-95. Ele dirigiu também a seleção feminina em 11 jogos (8 vitórias e 3 derrotas), tendo chegado ao 8º lugar no Mundial-67 na antiga Tchecoslováquia e ao título de campeão no Sul-Americano de 1965 no Brasil.

Em clubes, seu resultado mais expressivo foi a conquista do título nacional com o Corinthians, de Santa Cruz-RS. Dirigiu ainda Tijuca, Flamengo, Fluminense, Vasco, Remo, Minas, Al Ahli/Arábia Saudita, Angra dos Reis-Verolme, Sírio, Juver/Espanha, Uberlândia e Sport.

Embora não fosse religioso praticante, Vidal se considerava um homem de fé e tinha algumas crenças, entre elas em São Judas Tadeu. Está tudo no seu livro "Basquete para vencedores", escrito para explicar a campanha vitoriosa no Pan de Indianápolis. Sempre que podia ia sozinho à igreja do Cosme Velho, no bairro das Laranjeiras, no Rio. Lá, em suas orações, costumava pedir a proteção de São Judas para sua família, sua equipe e para ele próprio, sentindo-se mais confortado e muito mais confiante em tudo o que fazia, especialmente em seu trabalho.

Outro ponto de fé era o que chamava de "Desígnios Superiores". Acreditava que trabalhando no limite máximo de suas forças, e levando sua equipe a seguir esse mesmo ritmo, que esforçava-se para que fosse mais intenso do que o de seus adversários, poderia o time contar com a ajuda dos "Desígnios Superiores".

Escreveu sobre os pontos que julgava essenciais para um treinamento: duração (tem de ser necessariamente de oito a dez vezes maior do que o tempo de esforço exigido do atleta num jogo), intensidade (o ritmo do treino deve ser mais intenso do que o exigido no jogo), continuidade (a rotina não pode sofrer interrupção, ou seja, o atleta deve ter o mínimo de folga), repetição (jogador não gosta de repetir porque tem a pretensão de julgar que já sabe) e motivação.

Neste último item, uma mostra do trabalho de Vidal, com Oscar Schmidt, um cestinha fenomenal, que chegou a ser apelidado de Mão Santa, tal a sua precisão nos tiros, mas que apresentava deficiência na defesa. Oscar concordada com a crítica do técnico, se esforçava, mas não conseguia corrigir a falha nos preparativos para o Mundial-78. Vidal buscou a solução fora da quadra. Observou que o jogador era apaixonado por chocolate. Comprou o estoque do produto na bombonière da concentração da seleção. E propôs uma brincadeira: cada boa ação defensiva valia um chocolate. Oscar topou o desafio e passou a defender com mais empenho para garantir seu chocolate, sem prejudicar sua vocação de cestinha. E como visto, o Brasil subiu no pódio.

Assim foi Ary Ventura Vidal, técnico de basquete, que dizia ser, antes e acima de tudo, um homem otimista, feliz com sua profissão e alegre por exercê-la todos os dias.

1 Comentários:

Às 25 de março de 2013 às 07:03 , Blogger elisabete mari ghisleni disse...

mauricio me lembro muito bem como era bom pegar a bola correr como um louco, dar aquelas duas passadas largas, e sextar ...eu era pivo nessa trama do basquete ... bete

 

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