segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A MARCA DA ÁGUA ESTRÉIA E CRÍTICA




Folha de São Paulo
Ilustrada
14/03/2013

 CENÁRIO TEM PAPEL DECISIVO NA NARRATIVA DA PEÇA "A MARCA DA ÁGUA" 

Luiz Fernando Ramos crítico da folha


O poder do teatro. "A Marca da Água", última criação da Armazém, coroa os 25 anos de uma companhia que vem mantendo um nível de excelência raro. Ao enfrentar o complexo tema da relação mente-cérebro, o grupo apresenta um espetáculo primoroso, que com um misto de simplicidade e sofisticação engrandece a arte cênica.

A história contada é a de uma mulher que fez três cirurgias no cérebro entre a infância e a adolescência e, na meia idade, percebe os sintomas daquela doença retornarem. Desta vez, ela decide evitar os cuidados médicos e lidar solitariamente com seus lapsos, sons internos, alucinações e armadilhas que a memória lhe prepara.

Na encenação de Paulo de Moraes desta narrativa pesa muito mais o como tudo é contado do que qualquer viés melodramático ou psicológico. Ao lado de Maurício Arruda de Mendonça, fiel parceiro de outras boas dramaturgias, o diretor consegue evitar os riscos do didatismo e narra principalmente com a materialidade da cena.

O seu cenário é decisivo nessa operação. Com um fundo recortado em nichos, que ora recebe imagens projetadas, ora aceita a vibração dos reflexos de uma piscina cavada no palco, sugere concretamente o espaço de um cérebro cujo regime de águas está colapsando.

Imprescindível para a eficácia da curva dramática é o desempenho visceral dos intérpretes, sobretudo da protagonista, Patrícia Selonk, que excede seu habitual talento e fulgura.

Como o enredo permite, as situações transbordam de qualquer realismo e se sustentam menos nos diálogos do que nas ações realizadas.

Os três atores e duas atrizes molham-se e secam-se seguidas vezes, saem e entram das situações mais improváveis, sempre atravessados por um fluxo de energia física que desfaz qualquer psicologia, como metáforas vivas da fluidez sem fronteiras do elemento água.

Nesse arrojo de corpos e materiais soltos, a complexidade da relação entre neurônios e pensamentos se deslinda em um discurso poético e concreto, matéria bruta falando mais alto, ou alcançando mais longe que as explicações científicas.

O melhor exemplo da força dessa retórica sem palavras ou sentidos óbvios se dá quando todos tocam juntos seus acordeões.

É um momento de grande beleza, até porque nele a cena se torna pura música e restaura potências esquecidas da teatralidade. É uma experiência imperdível.


A MARCA DA ÁGUA
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 24/3
ONDE Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villartes, 579, Jardim São Paulo, tel. 0/xx/11/2971-8700)
QUANTO de R$ 6 a R$ 24
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo



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ARMAZEM CIA. DE TEATRO MERGULHA NO INCONSCIENTE 
COM O DRAMA “A MARCA DA ÁGUA”

Veja SP
Blog do Dirceu/Na platéia
01-03-2013

Por Dirceu Alves Jr.


Em 25 anos de estrada, os paranaenses radicados no Rio de Janeiro da Armazém Cia. de Teatro conseguem um feito incomum entre os tantos coletivos brasileiros. Em grande parte de seus espetáculos, o grupo consegue estabelecer uma unidade de dramaturgia e encenação. A plasticidade impecável e capaz de encher os olhos do espectador vem aliada a uma história bem contada, que mesmo recheada de semiologia e de poucas concessões, não soa hermética ou pedante. Cartaz do Teatro do Sesc Santana, o drama “A Marca da Água” é mais um acerto nesse sentido. A parceria entre os autores Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, também diretor, reafirma que para satisfazer o público basta um elenco afinado e uma boa trama – nesse caso, levar a pesquisa a saltar da teoria para a prática, digo para o palco.

O ponto de partida veio de estudos do neurologista inglês Oliver Sacks sobre os distúrbios do cérebro. Se a ideia pode meter medo, a cena inicial soa tão inusitada que beira o surreal. Enigmática e introspectiva, a quarentona Laura (personagem de Patrícia Selonk) vê sua rotina transformada com o aparecimento de um peixe enorme em seu jardim. Enquanto o ser estranho fica instalado perto da piscina, a mulher inicia uma surpreendente viagem ao inconsciente e revela pontos impenetráveis inclusive para seu marido (o ator Marcos Martins) e seu irmão (Marcelo Guerra). A esquisitice inicial se desfaz aos poucos, diante da reconstituição do passado e da apresentação do histórico familiar da personagem e seus desdobramentos na vida dos outros, principalmente na da mãe (papel de Lisa E. Fávero). Como tentativa de enterrar traumas, Laura ignorou a própria história e, agora, o preço começa a ser debitado em sua conta.
Nessa trilha entre a memória da personagem e a negação do passado, o espectador desvenda as intenções da montagem. Um equilíbrio nas interpretações se faz presente, fazendo com que todos não passem de uma peça de encaixe nesse quebra-cabeça, inclusive Patrícia Selonk. E como a Armazém Cia. de Teatro facilita a vida do público ao apresentar uma história decifrável, aos poucos, prepara o terreno para cobrar a fatura e novamente desafiar a plateia. A belíssima cena final é um exemplo disso. Laura encontra um escafandrista (representado por Ricardo Martins) e ali termina o acerto com sua própria história. Talvez para começar outro. O público deve entender a mensagem. Mas caso isso não aconteça pelo menos se encantará e tentará encontrar alguma explicação bem no fundo da mente.



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LAURA QUER VIDA ETERNA OU A TRAGÉDIA RESIDE EM NÓS

Crítica do espetáculo A marca da água, do Armazém Companhia de Teatro

Por Mariana Barcelos
Blog Questão de Crítica 

O Armazém completou 25 anos em 2012. A marca da água, o último espetáculo estreado em agosto, apresentou ao público cativo da Cia. as particularidades da linguagem cênica criada e consolidada ao longo de tantos anos de história. Quem acompanha o trabalho desses artistas, sabe que suas encenações se ocupam de explorar as relações humanas por meio de uma perspectiva singular, na qual o lirismo e a narrativa são abundantes e fluentes como se fossem próprios ao gênero dramático. E as vidas de suas personagens, geralmente, carregam muito passado, e, por isso, muita memória e muito afeto. Não foi diferente desta vez, porém, com 25 anos, a redescoberta de si parece ser o caminho para a renovação, e nas palavras do diretor Paulo de Moraes: “Não podemos ter medo de morrer afogados”.

A marca da água conta a história de Laura, que aos 40 anos começa a sentir os sintomas de uma doença neurológica que teve, pela primeira vez, na infância. Uma água está a inundar o seu cérebro, e as consequências disso é uma música interna interrupta e uma morte iminente. Laura precisa fazer uma cirurgia para tentar sobreviver, mas não quer. Enquanto o marido tenta convencê-la do contrário, cenas da infância de Laura entrecortam a história tornando-a um universo descontínuo que confunde sonho e loucura (frutos da cabeça alagada de Laura).

A dramaturgia de Maurício Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes contém uma instância trágica. Laura está num beco sem saída. A música que ela escuta e tenta materializar tornou-se sua razão de viver, sua euforia, sua fuga da apatia cotidiana. Mas a música mesma é também sua sentença de morte. Ao escolher a música Laura traça o seu destino trágico. O que há, neste caso, de diferente às antigas tragédias clássicas? Esta comparação me parece pertinente, pois, pode revelar a natureza de uma condição contemporânea da tragédia. Nas tragédias antigas, o Destino, à revelia de suas presas, era previamente anunciado e inevitável. Encarando seus anátemas (maldição; penitência a pagar pelo pecado cometido por um consanguíneo antecessor) com coragem, ou ignorantes de sua própria sina, os protagonistas destes mitos nunca foram salvos.

Mais de dois milênios depois da época dos grandes festivais de tragédias, que se começaram nos cultos em homenagem a Dionísio, e, ainda, mais de um século depois do chamamos de Modernidade, a tragédia não pode mais se justificar na maldição que atravessa gerações de uma mesma família. Por quê? Porque na Modernidade nos tornamos indivíduos, e desde então somos os únicos responsáveis pelos nossos atos. E ao contrário do que ocorria antes, quando o Destino era exterior ao corpo, e até mesmo à vontade do sujeito, hoje, quando há tragédia, “se” houver tragédia, esse fado se inicia e termina para um, e “dentro” de um só indivíduo. A tragédia sofre um processo de interiorização. Laura, por exemplo, tem o seu Destino acusado em seu próprio cérebro. Antes perdíamos para os outros, agora perdemos para nós mesmos.

A tragédia ainda surge, pois, mesmo que se tenha pensado, um dia, que a Razão seria soberana em todas as categorias de relações interpessoais possíveis (não é), o corpo, nossa biologia, continua sendo um deus não muito dominável. Nem a ciência, discípula primeira dos métodos racionais, pode negar isto. O corpo é o nosso inimigo, o cume do Destino trágico. Laura aceitou seu prognóstico. Entregou-se ao seu fim sem resistência, mas não por covardia, e sim por um sonho de liberdade possível. A música, a tragédia anunciada, é a vida potencializada.

“A alegria metafísica com o trágico é uma transposição da sabedoria dionisíaca instintivamente inconsciente para a linguagem das imagens: o herói, a mais elevada aparição da vontade, é, para o nosso prazer, negado, porque é apenas aparência, e a vida eterna da vontade não é tocada de modo nenhum pelo seu aniquilamento. “Nós acreditamos na vida eterna”, assim exclama a tragédia; enquanto a música é a ideia imediata dessa vida.” (NIETZSCHE, 1992, p. 99).

Nietzsche, em O nascimento da tragédia, centra seu discurso na dicotomia e na complementariedade das noções de apolíneo e dionisíaco. O apolínio, referente ao deus Apolo, representa a forma, a regra, o sonho, e o princípio individual. O dionisíaco, seu oposto complementar, refere-se a Dionísio, e representa a liberdade, o caos, a embriaguez, e o princípio universal. A escultura seria um exemplo de arte apolínea, a música de arte dionisíaca. O apolínio é o único recurso viável para que o instinto dionisíaco desça a terra. Quando o caótico universo dionisíaco se faz presente (por meio de Apolo), é possível sentir alegria diante da vida. A isto, Nietzsche caracteriza como sendo a essência do mito trágico. Este breve resumo me ajuda a dizer que, Laura só pode ser alegre e vivenciar uma forma elevada de existência se ouvir a música dionisíaca. Instintiva, inconsciente, oriunda da embriaguez de seu cérebro, e que só vem à tona pelo processo apolínio de tentar materializá-la.

E a decisão de “escolher” a música, que parece ser uma atitude racionalizada, não é. Laura a escolhe porque tem vontade. E a Vontade (Nietzsche usa a conceituação de Schopenhauer) é uma excitação do corpo, não uma forma consciente de afirmação. É um instinto animalesco que não demanda conhecimento. Quando Laura se submete ao seu corpo, que é a objetivação da Vontade, Apolo e Dionísio se unem. E Laura pode permitir-se o encontro com a liberdade, enquanto a vida eterna, no mundo de Dionísio, não chega. A determinação da Vontade, aqui, é importante porque elimina a possibilidade de Laura ser um personagem dramático, uma vez que estes realmente racionalizam sobre suas decisões. Depois que tem contato com Dionísio, o mesmo deus que deu origem aos festivais das tragédias, Laura só pode seguir, como um bicho, os demandos do corpo.

Suponho que tenha ficado claro que esta crítica propôs um pensamento mais aproximado da dramaturgia, entretanto, sem me alongar muito, gostaria de mencionar o cenário, também do Paulo de Moraes. Uma parede de fundo, retangular, um chão na mesma proporção, retangular. Na parede, vídeos de Rico Vilarouca e Renato Vilarouca exibem as imagens subaquáticas surgidas no cérebro de Laura. No chão, a piscina que o casal tem no quintal. Muitas cenas acontecem dentro da piscina, e por conta disso, o cenário, como o cérebro, é alagado durante a encenação. O que há de sólido e geométrico, claro, é apolínio. A água (da piscina e dos vídeos) é dionisíaca. Dionísio vence.

No início deste texto, citei uma frase do Paulo de Moraes, que está no programa do espetáculo, dizendo que o “Armazém” não pode ter medo de morrer afogado. Concordo. Mas em todo caso, se um dia vier a se afogar, isto não é exatamente um problema. Pode ser uma tragédia, mas não é um problema.

Acabei de lembrar que não falei do escafandrista, tem um escafandrista na cabeça de Laura… É a lembrança/imagem do seu pai já morto (em um acidente no mar). Esta memória surge junto com a música, e a incentiva a se permitir seguir o som. O escafandrista é como uma voz que legitima o inconsciente, e o que leva Laura a considerá-la é a sensação de que seu pai foi libertado depois que morreu. Ele é o guia para o mundo dionisíaco.


Referências bibliográficas:

NIETZSCHE, F. A visão dionisíaca do mundo. Trad. M. S. Pereira Fernandes e M. C. dos Santos de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
______. O nascimento da Tragédia. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Mariana Barcelos é atriz, estudante de Artes Cênicas – bacharelado com habilitação em Teoria do Teatro pela UNIRIO e graduanda em Ciências Sociais da UFRJ.


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MAR DE EMOÇÕES

por 
Bárbara Heliodora 

Em "A Marca da Água", a Armazém Cia. de Teatro festeja 25 anos com espetáculo contido e comovedor, coerente com sua trajetória de dedicação à arte.

Um contido mas tocante texto de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, “A marca da água”, encenada na Fundição Progresso, festeja os 25 anos da Armazém Cia de Teatro. O título é expressivo para a história de Laura, uma mulher de 40 anos que, ameaçada desde a infância de ter o cérebro internamente inundado, nunca falou ao marido do problema, nem das cirurgias por que passou para evitar o pior. Agora, com vários episódios na vida envolvendo a água — como o afogamento do pai — ela volta a ter o problema da infância. O que é diferente, característico de Laura, é o fato de agora não querer se curar mas, sim, dar forma a seu sofrimento, uma fugidia mas implacável melodia dentro de sua cabeça. Entre a memória de episódios da infância, cenas reais e toda uma riqueza de visões, o caminho de Laura se afasta do de sua família na rotina cotidiana, mas a envolve sempre com pai, mãe, irmão e marido; no presente como no passado, ela é levada pela água, que a lembra de que a qualquer momento pode se dar, no cérebro, a inundação fatal.

Um belo e austero cenário de Paulo de Moraes é formado por uma parede onde nascem passagem e espelho, e um pequeno lago com a água essencial à ação, tudo enriquecido pelo videografismo de Rico e Renato Vilarouca e luz de Maneco Quinderé. Os figurinos de Rita Murtinho, à prova d’água, são exatos, e Rico Viana dá o apoio necessário da música que persegue Laura e acompanha o clima da ação.

Respeito ao texto

Mas “A marca da água” pede algo mais para expressar o universo de Laura, real e imaginário: é muito bom o vasto peixe em cena, criado pelo Giramundo Teatro de Bonecos, como são também bons os barcos feitos por Eduardo Félix e a cabeça de escafandro, por Eduardo Andrade. A direção é de Paulo de Moraes, que como sempre conduz a ação com grande comedimento, emprestando ao texto todo o respeito que merece, sem sacrifício das linguagens cênicas; andamentos e marcas, como tons e gestos, são cuidada expressão do que o texto diz, assim como do que ele quer dizer.

Integrado como está ao espaço na Fundição Progresso que ocupa há alguns anos, o elenco do Armazém já tem estilo próprio, contido, despojado, mas sempre muito bem trabalhado e construído. Lisa E. Fávero está modestamente bem na Mãe enfrentando a doença da filha. Ricardo Martins, Marcos Martins e Marcelo Guerra estão todos satisfatórios nos vários papéis masculinos. Mas cabe a Patricia Selonk a responsabilidade de levar a ação adiante no papel de Laura. A tentativa de aparência normal e o progressivo agravamento da doença, isto é, a ameaça da inundação total do cérebro, são cuidadosamente elaborados, em uma atuação contida em que raros momentos de humor afloram em meio em meio à angústia da busca da música interior. “A marca da água” é um espetáculo contido mas comovedor, obra da dedicação permanente do Armazém à sua arte.

O Globo 26-09-2012



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MERGULHO NA TORTUOSA MECÂNICA DO CÉREBRO

por
 Maksen Luiz


O texto conjunto de Maurício Arruda Mendonça e Paulo Moraes, que também assina a direção de A Marca da Água, em cena na Fundição Progresso, transita por áreas tão sutis como a memória, a solidão compartilhada, o cérebro invadido pela doença, a procura da música interior e pelo “espetáculo do nada” do cotidiano. Mergulhados em tantos e tão delicados labirintos da existência, os autores constroem personagem, uma mulher que traz desde a infância problema neurológico, que reconstitui seu percurso de volta à origem, perseguindo a sonoridade aquosa que a acompanha desde sempre. O aparecimento de surrealista peixe no fluxo da vida do casal é somente a eclosão da viagem da mulher em torno de sentimentos, aparentemente delirantes, mas que determinam os rumos daquilo que sente e da apropriação
das peças soltas do puzzle do seu passado. A inevitabilidade da morte, que é comum a todo humano, na personagem é iminência. Sofrendo de crescente acúmulo de água no cérebro, não se submete a qualquer tratamento, substituindo-o pela imersão e fidelidade à musicalidade que enche a sua cabeça de sons vitais. O presente lhe parece vazio. O futuro é semelhante ao mundo, sem perspectivas. Resta o passado como tempo de resgate. A personagem recusa ajuda médica, já que não está à procura de cura, mas de reconstruir a doença como metáfora da própria vida. Os autores, aparentemente, se basearam em narrativa corrida, com linha sequencial que levasse o percurso até a um fim (o ressurgimento do pai náufrago). Esse tributo à coerência e ao acabamento, talvez tivesse restringido o adensamento poético que na montagem se traduz tão delicadamente com o elenco tocando acordeões, compondo o caminho da partitura da música interior. Apenas um detalhe secundário em texto que se corporifica pelo percurso, pelo mergulho no desequilíbrio para realizar o encontro, aproximar-se de algum sentido de plenitude. Paulo de Moraes regula a cena na mesma dimensão da escrita: poética, imagética e inconsciente. O diretor cria imagens que estão desenhadas como abstrações do real, fortes o bastante para impregná-las de significações evocativas, lançadas ao espectador como quadros em movimento. O ritmo que imprime a esses quadros é que estabelece a nervosidade da cena e o lirismo da ambientação. Como cenógrafo, Paulo de Moraes traça com geometrismo a área da representação - painel de quadriláteros e tanque retangular -, equilibrando a fisicalidade da água e a volatividade das projeções de Rico Vilarouca e Renato Vilarouca. Esse ambientação acondiciona com suas linhas retas a tortuosa mecânica do cérebro. O elenco acompanha com retilínea composição a racionalidade emocional do entrecho. Ricardo Martins, Marcos Martins, Marcelo Guerra e Lisa E. Fávero atuam como um coro harmônico de muitas vozes afinadas para que Patrícia Selonk detalhe o seu instigante solo. A atriz, sem dramatismos e exterioridades, mergulha no túnel de águas revoltas da personagem com rigor racional e fina emocionalidade. Demonstração da maturidade e inteligência da intérprete.       

Fonte: Blog de Maksen Luiz
  
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Teatro/Crítica - Do Blog de Lionel Fischer

"A MARCA DA ÁGUA"


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Fascinantes compassos de uma nova música

por
Lionel Fischer

Nada entendo de numerologia, mas não deixa de ser curioso que a Armazém Companhia de Teatro esteja completando 25 anos e agora leve à cena seu 25º espetáculo, "A marca da água", em cartaz na sede do grupo, na Fundição Progresso. Por tratar-se de um dos mais conhecidos e importantes grupos teatrais do país, não julgo necessário mencionar seus muitos sucessos e numerosos prêmios. Mas gostaria, sim, de registrar que me considero um privilegiado por ter assistido a todos os espetáculos da companhia desde sua estreia, no Rio de Janeiro, com "A ratoeira é o gato". 

Sendo o teatro, como afirma Peter Brook, "a arte do encontro", e após tantos e tão memomáreis encontros com a Armazém Companhia de Teatro, o público carioca tem agora mais uma imperdível oportunidade de usufruir o talento deste grupo de exceção. Com dramaturgia assinada por Maurício Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes, e direção deste último, "A marca da água" traz no elenco Patrícia Selonk (Laura), Ricardo Martins (Pedro, o pai/médico), Marcos Martins (Jonas, o marido), Marcelo Guerra (Domênico, o irmão) e Lisa E. Fávero (Eugênia, a mãe), que compartilham a cena com o músico Ricco Viana.

"Laura tem 40 anos. Vive numa aparente placidez, uma espécie de tristeza cotidiana. Até que um peixe enorme aparece misteriosamente em seu jardim. A presença estranha do peixe, a discussão com o marido, as picuinhas da vida da família, são uma pista falsa sobre o rumo das coisas. Laura está diante do inevitável. Numa narrativa feita de descontinuidades - com um filtro surrealista e algo trágico (pois há aqui uma espécie de autodestruição) - A Marca da Água inicia o processo de reconstrução da pequena Laura, que sofreu um acidente neurológico na infância e começa a sentir novamente os sintomas da doença em seu cérebro".

Extraído do programa distribuído ao público, o trecho acima sintetiza o enredo do espetáculo. Mas o que me parece fundamental ressaltar, como afirma o autor/diretor Paulo de Moraes, é que a personagem "escolhe o sintoma em lugar da cura". Ou seja: poderia optar por realizar uma operação que drenasse a água que lhe toma o cérebro, assim evitando sua possível morte. 

No entanto, essa água lhe permite ouvir uma misteriosa e bela música, que confere inesperado e poderoso sentido à sua vida. E nisto reside, em minha opinião, a principal mensagem da peça - se é que uma peça deva necessariamente oferecer uma mensagem: não desistir nunca. E isto implica em não desprezar sinais que surgem inesperadamente, não valorizar apenas o cotidiano em detrimento do onírico, ter a sagacidade de perceber que o eventual descompasso de nossos neurônios pode criar fascinantes compassos de uma nova melodia. E esta, como ocorre aqui, espanta a monotonia e estimula a memória, o que permite a Laura uma comovente reconstrução de seus afetos.

Bem escrita, contendo ótimos personagens e impregnada de fantasia e lirismo, "A marca da água" recebeu excelente versão cênica de Paulo de Moraes, um encenador que cada vez mais também se afirma como um poeta. De fato, suas marcações parecem ser a resultante não apenas de uma decisão racional, mas também de impulsos oriundos do inconsciente de uma mente aberta, que sabiamente percebeu, como Hamlet, que somos feitos da matéria dos sonhos. Aqueles que negam esta premissa são as pessoas comuns, mesmo que possuidoras de muitos méritos. Aqueles que a afirmam, são os artistas. E nisto reside toda a diferença...

Com relação ao elenco, todos os profisisonais que estão em cena exibem performances seguras e convincentes. E por tratar-se do aniversário de um grupo, tinha em mente não particularizar nenhuma atuação. Mas Patrícia Selonk me obriga ao contrário. Todos sabemos que Patrícia possui vastíssimos recursos técnicos, mas o que mais me encanta na atriz é algo que não consigo definir com precisão. Falar de seu carisma é pouco, mencionar sua inteligência cênica não basta. Mas então, o que seria? 

Posso estar enganado, mas arrisco uma hipótese: talvez meu fascínio advenha do fato de que, ao ver Patrícia Selonk em cena, tenho sempre a sensação de que se entrega às suas personagens como se cada gesto fosse o último; cada palavra proferida, a derradeira; cada respiração, o último fôlego. Enfim...é como se Patrícia, a cada momento, nos lembrasse de que cada momento pode e deve conter toda a eternidade.   

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta belíssima produção - Maneco Quinderé (iluminação), Rita Murtinho (figurinos), Ricco Viana (direção musical), Paulo de Moraes (cenografia), Rico Vilarouca e Renato Vilarouca (videografismo), Alexandre de Castro e Jopa Moraes (projeto gráfico) e Mauro Kury (fotografias).

A MARCA DA ÁGUA - Texto de Maurício Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes. Direção de Paulo de Moraes. Com a Armazém Companhia de Teatro. Fundição Progresso/Espaço ARMAZÉM. Quinta a sábado, 20h. Domingo, 19h.   



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PEÇA "A MARCA DA ÁGUA" TRANSBORDA MEMÓRIAS E POESIA

por

Wilson Spiller


Três mil litros de água preenchem a piscina de 7m x 2,5m bem no centro do palco. É a ponte para, a poucos passos dali, o público acompanhar, gota a gota, a cabeça de Laura transbordando memórias e poesia na peça A Marca da Água, de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes. A montagem, inédita, consolida a agenda de comemorações dos 25 anos do Armazém Companhia de Teatro, inaugurada no início de 2012 com a remontagem da antológica Alice Através do Espelho e depois com a premiada Toda Nudez Será Castigada.
A estreia de A Marca da Água será nesta quinta-feira (30), às 20h, no Espaço Armazém, na Fundição Progresso, para temporada até 18 de novembro. Sob a direção de Paulo de Moraes, o elenco é formado por Patrícia Selonk, Ricardo Martins, Marcos Martins, Marcelo Guerra e Lisa E. Fávero. A direção musical tem Ricco Viana e a assinatura do videografismo é dos irmãos Rico e Renato Vilarouca, com figurinos de Rita Murtinho e luz de Maneco Quinderé.
Este é o 25º espetáculo no repertório da companhia, fundada em 1987 em Londrina, Paraná, e radicada desde 1998 no Rio de Janeiro. Esta estreia, porém, é diferente, pois já vem premiada. No rol de eleitas pelo Cena Brasil Internacional, festival realizado pelo CCBB,  a peça leva o Armazém Companhia de Teatro pela primeira vez a uma temporada internacional nos festivais de teatro de Avignon, na França, e Edimburgo, na Inglaterra, em 2013.
“Corremos contra o tempo para estar no Cena Brasil e, em dois meses, finalizamos o texto e montamos tudo. Valeu a pena”, avalia o diretor Paulo de Moraes.
Marcas de uma parceria
Viga-mestra do Armazém, Paulo de Moraes desenvolveu a dramaturgia de A Marca da Água com o poeta paranaense Maurício Arruda Mendonça, renovando votos teatrais neste que é o décimo texto da dupla. No eixo da história está a questão espaço-temporal, característica da pesquisa de linguagem do Armazém. Maurício Arruda Mendonça recupera o contexto em que a parceria se desenhou.
“O acontecimento da relação entre  a Armazém e a minha pessoa tem um contexto de cidade. A gente se encontrou em Londrina, cidade que sempre privilegiou a cultura.  Londrina é cidade de Arrigo Barnabé e também a de Itamar Assunção, e possui o mais antigo festival internacional de teatro do país, onde pudemos ver coisas inspiradoras. Ao mesmo tempo, tivemos um diretor de teatro brilhante, José Antonio Teodoro, à frente do Grupo Delta, e que foi o mentor do Paulo de Moraes, por exemplo. A universidade e os bares também eram locais onde acontecia e se discutia cultura. E nos anos 80 e 90, Londrina viveu realmente um momento de aparecimento de artistas que investigavam a linguagem nos mais diferentes campos: música, pintura, poesia, teatro. É nesse ambiente inquieto que eu, vindo da literatura (já com dois livros de tradução de poesia publicados), e o Paulo (já à frente do Armazém e com 7 anos de estrada), nos encontramos”, destaca Maurício.
Os atores e os autores têm uma rotina de pesquisa intensa, teórica, corporal – a cargo de Patrícia Selonk – e prática. Para A Marca da Água, por exemplo, beberam na fonte do Impressionismo, do Surrealismo, da obra de Oliver Sacks, flertaram com Alfred Hitchcock e por aí afora.
“Até chegarmos ao ponto final de um texto, muita coisa acontece, o processo é dinâmico, entre eu e o Maurício, depois devolvendo isso para os atores, elaborando as cenas. Há quem ache que só lemos a obra do John Cheever para inspiração, o que é um engano, pois apenas nos balizamos numa atmosfera do conto O Nadador. A partir daí, verdadeiramente, quem nos mobilizou foi Oliver Sacks e finalizamos com o Surrealismo. É assim que mostramos  a trajetória de Laura, uma mulher que tem um cotidiano de poucas emoções e muitas frustrações que vêm à tona através das de um acidente da infância, quando ela precisa operar o cérebro. Durante os estudos para a preparação deste trabalho, esbarramos com a constatação de que para os gregos o destino era o controlador da existência do indivíduo, hoje é tudo centralizado nos neurônios. Para a Laura, o cérebro afetado e imperfeito é a energia vital necessária para sua vida. A ela interessa o sintoma, não a cura”, explica Paulo.
Breve histórico
Entre Mambembe, Shell, Cultura Inglesa, só para citar alguns, mais de 20 prêmios nacionais foram conquistados pelo Armazém Companhia de Teatro ao longo de sua trajetória. Sediado num galpão na Fundição Progresso, o Armazém ampliou seu território de linguagem com cenários surpreendentes em constante diálogo com a dramaturgia (na maior parte do tempo original) dando ênfase à arte do ator, na pesquisa do espaço cênico, na dramaturgia, na teatralidade pura e produziu espetáculos marcantes comoA Ratoeira é o Gato, Alice Através do Espelho, Pessoas Invisíveis, A Caminho de Casa, Toda Nudez Será Castigada, Inveja dos Anjos Antes da Coisa Toda Começar, entre outros.
Em 25 anos de muito trabalho, o Projeto Memória surgiu, pensado pela companhia como uma pequena contribuição à preservação da memória teatral do país; e que já lançou a versão em DVD de quatro espetáculos do Armazém (Da Arte de Subir em TelhadosPessoas Invisíveis, Alice Através do Espelho, Inveja dos Anjos e Antes da Coisa Toda Começar), além dos livros Para Ver com Olhos Livres, Espirais, Inveja dos Anjos e Antes da Coisa Toda Começar.
Serviço:
A Marca da Água – Armazém Companhia de Teatro. Direção: Paulo de Moraes.
Estreia: dia 30 de agosto, às 20h. Temporada até 18 de novembro.
Sessões: quinta a sábado, 20h; Domingo, 19h.
Duração: 75 minutos.
Local: Fundição Progresso / Espaço ARMAZÉM – Rua dos Arcos, 24. Lapa – RJ
Ingressos: quinta e sexta-feira: R$ 30 / sábado e domingo: R$ 40
Lotação: 110 espectadores
Classificação etária: 18 anos.
Reservas pelo telefone: (21) 2210.2190
Ficha técnica:
Elenco:
Patrícia Selonk, Ricardo Martins, Marcos Martins, Marcelo Guerra e Lisa E. Fávero
Direção: Paulo de Moraes
Dramaturgia: Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurinos: Rita Murtinho
Direção Musical: Ricco Viana
Cenografia: Paulo de Moraes
Vídeografismo: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Cartaz: Jopa Moraes
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro e Jopa Moraes
Fotografias: Mauro Kury
Produção Executiva: Flávia Menezes
Assistente de Produção: Fernanda Camargo
Assistente de Direção: Kátia Jorgensen
Assistente de Cenografia: Ricardo Martins
Assessoria de imprensa: Mônica Riani
Produção: Armazém Com
Patrocínio: Petrobrás


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