CRÍTICA DE "O OUTRO VAN GOGH"
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Fernando Eiras em cena em "O Outro Van Gogh" |
VEJA RIO RECOMENDA
1 de agosto de 2012
O Outro Van Gogh. Um dos
maiores pintores de todos os tempos, Vincent van Gogh (1853-1890) não vendeu um
único quadro em vida.
Durante anos, foi sustentado pelo irmão mais novo, Theo,
marchand respeitado em Paris e defensor ardoroso do então incompreendido gênio
da família. Testemunho dessa amorosa relação, a correspondência dos dois
inspira o primoroso texto do monólogo escrito por Maurício Arruda Mendonça. No
Teatro Poeira, Paulo Moraes, seu parceiro frequente na Armazém Companhia de
Teatro, dirige a peça com precisão e também cuida da cenografia despojada piso claro, uma cadeira e um abajur valorizados pela iluminação
de Maneco Quinderé. Ator tarimbado, Fernando Eiras passeia com desenvoltura por
variados estados de espírito ao viver Theo no fim da vida, internado em um sanatório.
Entre realidade e delírio, o personagem relembra a sua trajetória e, por
tabela, a do irmão, em montagem comovente.
Teatro/CRÍTICA
21 de julho de 2012
"O OUTRO VAN GOGH"
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Montagem imperdível no
Poeira
Lionel Fischer
"O
espetáculo localiza-se nos últimos dias de vida de Theo Van Gogh (1857-1891),
irmão, confidente e mantenedor do grande pintor holandês Vincent Van Gogh
(1853-1890). Internado numa casa de saúde, abalado pelo repentino suicídio de
seu irmão mais velho, pelos pesados encargos
de sustento de sua mulher, filho e de seus pais, e já sofrendo os mesmos
sintomas radicais da doença mental dos Van Gogh, Theo repassa acontecimentos
afetivamente importantes na sua relação com Vincent em sua luta por tornar-se
um pintor. Como num réquiem, o texto fala, sobretudo, do amor visceral que uniu
e levou à morte esses dois irmãos".
Extraído do ótimo release que me foi
enviado pela assessora de imprensa Daniella Cavalcanti, o trecho assina
sintetiza o enredo do monólogo "O outro Van Gogh", em cartaz no
Teatro Poeira. Com texto assinado por Maurício Arruda Mendonça, a montagem
chega à cena com direção de Paulo
de Moraes e interpretação a cargo de Fernando Eiras.
"Se Deus não existe, então tudo é permitido",
afirmou Dostoiévski.
Mas caso exista, certamente nos deve ao menos duas explicações: por que permitiu que Mozart morrese na mais absoluta miséria e fosse enterrado numa vala comum? E por que não intercedeu junto à humanidade para que Van Gogh vendesse ao menos dois quadros, ao invés de apenas um? Tal qual um Hamlet destituído de providencial caveira, ponho-me a cismar...
Mas caso exista, certamente nos deve ao menos duas explicações: por que permitiu que Mozart morrese na mais absoluta miséria e fosse enterrado numa vala comum? E por que não intercedeu junto à humanidade para que Van Gogh vendesse ao menos dois quadros, ao invés de apenas um? Tal qual um Hamlet destituído de providencial caveira, ponho-me a cismar...
Mas aqui, cismar ou não cismar, é questão irrelevante. O
fundamental é afirmar que Maurício Arruda Mendonça escreveu um texto
belíssimo, impregnado de profunda dor e intensa poesia, facultando ao público um
retrato emocionante e emocionado da visceral relação de amor e cumplicidade
entre os irmãos Theo e Vincent. E isto sem excluir outras reflexões mais do que
pertinentes, tais como a aterradora capacidade das classes dominantes de
massacrar aqueles que não se enquadram aos padrões impostos por seus
interesses, seja em que campo fôr.
Com relação ao espetáculo, Paulo de Moraes impõe à
cena uma dinâmica em total sintonia com os conteúdos em jogo. Valendo-se
de marcações refinadas e expressivas, todas de altíssima expressividade, o
diretor consegue materializar tanto as angústias do personagem quanto seu
intenso lirismo e seu incomensurável afeto. Sob todos os pontos de vista, uma
das melhores direções assinadas por este encenador brilhante.
Quanto a Fernando Eiras, todos sabemos que se trata de um
intérprete de vastíssimos recursos expressivos, tanto no tocante ao texto
articulado como no que concerne ao universo gestual - afora sua notável
habilidade para o canto. Mas há algo em Fernando Eiras que
transcende a técnica: sua maravilhosa capacidade de entregar-se por completo
aos personagens que encarna. Tenho sempre a sensação, quando o vejo em cena,
que ele se apropria de tal forma de seus personagens que é quase como se os
tivesse criado, como se tivessem nascido não da imaginação de um autor, mas de
suas entranhas. E nisto reside, em minha opinião, o que difere um grande ator
de um ator de exceção. Fernando Eiras pertence a este último e seletíssimo
grupo.
Na equipe técnica, Paulo de Moraes responde por uma cenografia simples
e despojada, constituída basicamente por uma cadeira e uma luminária, mas
certamente muito expressiva. Igualmente irretocáveis os figurinos de Rita
Murtinho, os vídeos de Ricco e Renato Vilarouca e a trilha sonora de Ricco
Viana. No tocante à luz, é realmente admirável a contribuição de Maneco
Quinderé para o fortalecimento de estados emocionais tão intensos e
diversificados. Creio mesmo que seu trabalho luminístico mereça ser encarado
como a tradução visível dos sentimentos do atormentado e emotivo protagonista.
Sem a menor dúvida, a melhor iluminação da atual temporada. Finalmente, um
destaque todo especial para a deslumbrante preparação corporal feita por
Patrícia Selonk.
O OUTRO VAN GOH - Texto de Maurício Arruda Mendonça. Direção de Paulo de Moraes. Com Fernando Eiras. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 19h.
O OUTRO VAN GOH - Texto de Maurício Arruda Mendonça. Direção de Paulo de Moraes. Com Fernando Eiras. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 19h.
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UM RARO MONÓLOGO
Bárbara Heliodora
O Globo – 4 de julho de 2012.
Está em cartaz
no Teatro Poeira o delicado texto de Maurício Arruda Mendonça “O outro Van
Gogh”, isto é, sobre Theo, irmão do pintor. A dedicação desse irmão, marchand
que com extraordinária dedicação sustentou Vincent, acreditando profundamente
nesse talento adiante de seu tempo — as cores fortes que usava, como explicava
Theo, não vendiam porque não combinavam com a mobília pesada e escura dos
salões burgueses. O texto, que encontra Theo no hospital, com o raciocínio
corrompido pela doença, desliza com leveza e poesia entre a sanidade e a
loucura, que por vezes é de Theo e por vezes de Vincent, rememora a família, a
infância, os descaminhos pisados pelo talento até se encontrar na pintura, a
luta insana para sustentar a mulher e os filhos sem deixar desamparado o gênio
incompreendido. É um texto de grande qualidade, comovente e revelador, um dos
raros monólogos que deixam o público desejando que fosse mais longo.
A
encenação é o veículo exato para a história desse outro Van Gogh e de sua total
integração na vida do irmão: a música de Rico Viana e Renato Vilarouca marca
com exatidão os climas do monólogo, assim como a luz de Maneco Quinderé
estabelece cada detalhe. Com o despojado figurino de Rita Murtinho, Theo se
movimenta bem sobre um piso claro, vazio, uma única cadeira, uma lâmpada de pé,
que formam o cenário, criado pelo diretor, Paulo de Moraes ,
compondo com perfeita harmonia o universo para esse apaixonado devaneio de quem
não tem mais norte, uma vez morto Vincent. A direção é exata, cuidada em
preservar o delicado equilíbrio entre a lembrança e a angústia, entre a
responsabilidade e a dor, medindo cada movimento segundo a memória que vai e
vem, que pode ser de Theo ou de Vincent, de tal modo o outro viveu a vida do
irmão.
A atuação de
Fernando Eiras como esse Theo que já começa a se irmanar com Vincent também na
morte é exemplar. Com a ótima preparação corporal de Patricia Selonk, Eiras
paira entre a sanidade e o devaneio, lembra a alegria de algum momento da
infância ou a tristeza que tanto dominou a vida de adulto dos dois irmãos, por
vezes quase coreografando o pensamento, mas sem qualquer exagero, sem qualquer
gesto inútil. Assim também a modulação da voz, que varia com a emoção e com o
personagem, nessa mescla que povoa a solidão desse outro Van Gogh em seu fim de
vida. É um espetáculo comovente, penetrante, bom de texto e de encenação, que
confirma o Teatro Poeira como uma casa que vela pelo bom teatro.