sábado, 23 de julho de 2011

ADEUS A ROBERTO KOLN

Roberto Koln em casa de Tatiana Belinky. Foto: Jacqueline Sasano

Amanhã, domingo, completa uma semana que Roberto Koln se foi. Tinha 78 anos. Fiquei sabendo apenas ontem, quando uma amiga em comum me comunicou. Fiquei muito triste com essa perda inesperada. Perder amigos nos deixa humanamente mais pobres. Pensei: "Nunca mais vou poder ouvir sua voz inconfundível ao telefone me desejar shaná tová todos os anos." Mas, o que falar de Mr. Koln? Primeiro que, se Londrina tem essa vocação para cultura que temos hoje, ele é um dos principais responsáveis, sem dúvida. O Grupo Permanente de Teatro que ele e Antonio Villela de Magalhães fundaram é uma conquista   que a cidade deve sempre reverenciar. Aliás, recentemente Roberto tornou-se cidadão honorário, o que é, em parte, um reconhecimento por seu trabalho na comunidade. Roberto dirigiu espetáculos bem cuidados nos anos 50/60, manteve o "Teatrinho da Rua Goiaz"  e como gosto de dizer para quem torcia o nariz para ele: Roberto "quebrou"  fazendo teatro em Londrina. Torrou tudo por um sonho. Essa é sua dignidade e sua virtude. E isso não é coisa que se apaga com a morte.

Conheci Roberto Koln por volta de 1998. O ator Sergio Mello e nossa aluna a Eunice (desculpe por não recordar seu sobrenome) foram responsáveis por trazer Koln novamente a Londrina de pois de décadas. Lembro-me de que ele entrou (na verdade irrompeu) na Escola Municipal de Teatro na Rua Acre  interrompendo uma aula que eu ministrava improvisadamente no hall da escola. Logo de cara percebi aquele senhor com certa desenvoltura meio cosmopolita, o olhar atento a tudo e a todos. Depois da aula conversamos um pouco e fomos e eu Jacqueline jantar com ele em casa de Eunice na Rua Catarina De Bora. Em poucas horas ele nos pôs a par da história até então "soterrada" do GPT. Pudemos nos deleitar com a cultura imensa de Roberto e, principalmente, com seu senso de humor maravilhoso. E, mais, Roberto tinha uma memória prodigiosa para detalhes, datas. Sua narrativa era inequivocamente um dom de sua ascendência judaica. Ele contava os fatos, fazia digressões, descrevia pessoas, gestos, situações, fazia apartes cômicos, levantando-se a atuando para demonstrar melhor as pessoas, lançava uma série de perguntas e as saía respondendo. Impossível - para quem gosta de narrações e de história - não ficar medusado pela sua voz. Poucas vezes estive diante de alguém tão cativante. Evidentemente que, peguei Roberto em momentos não tão divertidos, quando ele estava pra baixo, e muito ácido. Mas até nesses momentos ele era extremamente transparente e  reconhecia suas pisadas na bola. Ao menos comigo. Lembro-me de que ele desancou uma peça minha certa feita. Não deixou pedra sobre pedra. Me chamou de pseudo-Tennessee Williams. Foi cruel. Logo depois, ele percebeu que havia sido deselegante e pediu desculpas e desligou rápido. Fiquei chateado com ele por um tempo, mas não respondi. Era o Roberto. Não dava para ficar puto com ele muito tempo. Ele ligou depois de uns tempos, emendava um ditado íidiche, ou uma piada em inglês e ríamos muito. 

Roberto Koln conhecia muito o teatro. Assistiu coisas históricas como a montagem de "Vestido de Noiva" de Nelson Rodrigues com Os Comediantes com direção de Ziembinsky; viu a Comedie Fraçaise, o Arlecchino de Strehler nas primeiras versões; e tudo o que aconteceu nos palcos de São Paulo e Rio dos anos 50 até recentemente. Morou na Praça Roosevelt muito tempo e isso facilitava a suas idas ao teatro. Agradeço a Roberto uma série de livros de dramaturgia com que ele me presentou. Livros preciosíssimos e que me ensinaram muito. Quando montei "O Misantropo" em 2001, Roberto veio assistir e me presenteou com dois belíssimos volumes das obras completas de Molière no original. Guardo-as com carinho.
     
Depois que Roberto retornou a Londrina, fechamos a idéia de reunir material e publicar um livro sobre a trajetória do Grupo Permanente de Teatro. Um idéia que começou em 2000 e somente seria realizada em 2006. Roberto tinha tudo guardado: fotos, programas das peças, matérias de jornais. Um tesouro que é parte da história cultural da cidade. O livro chama-se "Pioneiros do Teatro Londrinense - GPT (1957-1964)" e, como não poderia deixar de ser, traz uma longa entrevista com Roberto. Nada melhor do que deixar ele próprio contar a sua história com suas palavras. Um livro depoimento, pois. Foi um dos livros que mais vibrei ao ser publicado pelo valor histórico e pela longa espera.

Na época das pesquisas e entrevitas para o livro, convivemos mais. Em 2003 eu e Jacqueline fomos a São Paulo e passeamos um bocado com Mr. Koln. Ele nos mostrou detalhes arquitetônicos dos prédios, nos levou a uma mansão de um barão do café que estava em restauração, contou sobre os moradores, ilustrou-nos. Encontramos nos dias seguintes com seus ilustres amigos: Jean Claude Bernadet, Miriam Paglia Costa, Tatiana Belinky, Lourdes de Moraes e Haydée Bittencourt. Foi muito bacana. O encontro com Tatiana Belinky foi emocionante e divertido. Na época eu usava barba. Logo na chegada apertei a mão de Tatiana e ela disse para mim com aquele seu jeito de russa: "Hummm, deixa ver com quem você se parece... Já sei! Você se parece com Karl Marx!". Fiquei surpreso. Devia ser um costume dela fazer esse tipo de comparação.

Depois que publicamos o livro sobre o GPT nos afastamos. Falávamos por telefone umas duas vezes por ano. Encontrei-me pela última vez com ele num evento na choperia Fábrica Um, acho que em 2007 ou 2008. Ele me pareceu alegre. Falou-me sobre criação de filhos com uma ternura muito grande. Estava calmo, doce e, diria, até mesmo sábio - o que de certa forma era um contrasenso considerando-se que Roberto tinha, mesmo sendo um setentão, uma  irresponsabilidade meio adolescente. Tomei uns chopps e voltei pra casa. Nunca mais o vi pessoalmente. No ultimo mês de abril, Roberto me ligou para avisar que Mariangela Alves de Lima havia publicado uma bela resenha sobre "Antes da coisa toda começar" no Estado de São Paulo (ele sempre me avisava sobre as resenhas). Disse a ele que fosse ver a peça, que ele iria gostar. Dias depois foi nosso último telefonema. Ele ligou pra dizer que a peça era maravilhosa. Estava emocionado porque Paulo de Moraes havia dado um jeito de colocá-lo para ver o espetáculo que andava lotado e com gente ficando de fora. Eu disse que isso era uma deferência natural, sendo Roberto quem era. Não sei porque - aquelas coisas que a gente sente, mas não verbaliza para não acontecer - achei que aquele telefone era um adeus. 

Mas o que importa é que Roberto Koln passou por esse mundo e deixou sua marca em Londrina onde viveu histórias hilárias, como a vez em que hospedou - em sua casa perto do Londrina Country Club - um jovem aspirante a figurinista, na mais completa pindaíba, e que se chamava Clodovil Hernandez; ou quando Roberto dançou um balé intilulado "A Morte do Cisne". Roberto, que havia tido aulas de balé em criança, era anunciado com uma bailarina alemã de Rolândia. Entrava em cena disfarçado e, seríssimo dançava o célebre tema de "O Lago dos Cisnes". No meio da dança ele se virava de frente pro público e as pessoas viam que a bailarina era ele, Roberto, de bigodes. De repente, adentrava no palco um sujeito vestido de caçador portando uma espingarda e desfechava um tiro na bailarina-roberto que caía espalhafatosamente morta. E a platéia então irrompeu num riso jucundo que ecoou pelas paredes do teatro, subiu pela telhado e ganhou as ruas, permanecendo longo tempo pairando sobre a noite londrinense. 
Uma vez Roberto disse, com os olhos sonhadores:
"O GPT em Londrina foi a melhor época da minha vida."
Palmas, Roberto! Viva o Teatro!
Obrigado por tudo!
Que até que nós te vejamos de novo, 
que Deus te guarde na palma de Sua mão.




Na sequência uma das histórias teatrais mais pungentes que ouvi, acontecidas com Roberto Koln que eu relatei numa postagem que fiz aqui no blog em 2009. Repito a dose:




O RAPTO DAS CEBOLINHAS

A foto é do Grupo Permanente de Teatro em cena da peça "O Rapto das Cebolinhas" de Maria Clara Machado. A direção foi de Roberto Koln. O ano era 1959. Londrina completava o seu Jubileu de Prata. A foto é de Augusto Galante. No elenco estavam Marcos Colli, Maria Nívea Magalhães, Maria Aparecida Scucuglia, Pedro Scucuglia, J. Oliveira, Fernando Pimenta da Cunha, Paulo Correia de Oliveira, Sebastião Felismino da Silva, Antonio Carlos de Souza. Visando formar público Roberto Koln montava texto da mais importante dramaturga infantil brasileira.

Procópio no camarim do teatrinho do GPT

Após o telefonema de Roberto Koln fiquei pensando quantas histórias bonitas aconteceram na vida artítica do GPT. Isso me fez lembrar o que Koln me relatou sobre a passagem do legendário ator Procópio Ferreira por Londrina. Isso aconteceu em abril de 1959. Fiz as contas e vi que estamos no mês em que se completam 50 anos da vinda desse grande ator brasileiro. Na foto tirada por Augusto Galante, vemos procópio se maqueando no camarim do teatrinho da Rua Goiás, sede do GPT. Dá para ver a rusticidade das "mata-juntas", mas também um certo cuidado com detalhes como espelhos e lâmpadas. E, também, o cigarrinho de Procópio pronto para mais uma tragada. O rapaz ao fundo é o advogado Edgard Pietraroia. A cesta de flores também ao fundo é adereço da peça "Pigmaleão" que estava sendo dirigida pela grande professora e atriz Haydée Bittencourt. Ela própria me contou que certa noite ela disse a Procópio que não tinha assistido ainda "Esta Noite Choveu Prata", sucesso do grande ator. Procópio então, fez a apresentação com casa lotada do teatro do GPT, intepretando olhos nos olhos de Haydée, fazendo sua performance esclusivamente para apreciação e deleite da jovem diretora recém-formada pela RADA, Inglaterra. E Hayddée emendou: "Procópio não era um homem bonito, de maneira nenhuma. Mas tinha um  charme extraordinário, arrebatador." Bem, mas vamos ao que interessa. Roberto Koln relatou assim o seu encontro pessoal com o monstro sagrado do teatro brasileiro que estava em Londrina para apresentar-se:

“Na época em que o GPT estava apresentando o “O Rapto das Cebolinhas”, foi que me aparece um dia Procópio Ferreira. Ouviu falar que havia um teatrinho muito bonito em Londrina, e que havia um grupo de teatro fazendo um trabalho sério. Eu disse: “Por favor, tapete vermelho, Procópio Ferreira!" Ele ia fazer só um fim de semana o monólogo “Esta Noite Choveu Prata”, do Pedro Bloch, em que ele fazia os três personagens. Conclusão: ficou quinze dias com casas lotadas. Ficou morando em Londrina por quinze dias e se apresentou no nosso palco do GPT na Rua Goiás. Eu levei o Procópio até lá pra conhecer, e levei mais alguém comigo. Não tinha refletor oculto por bambolina. A operação da luz era na chave direta. Sei que eu estou ao lado do Procópio Ferreira, e alguém vai acendendo as luzes, e foi-se iluminando o cenário de “O Rapto das Cebolinhas” que estava lá montado: a árvore iluminada por trás, a cerquinha toda iluminada por trás, e as luzes foram acendendo, e, quando eu olho, o Procópio Ferreira estava chorando... É! O cenário era do Hans Müther."





2 Comentários:

Às 24 de julho de 2011 às 07:32 , Blogger Leandro Ragazzi disse...

Me lembro claramente quando fizemos um geral do Misantropo, apenas para Koln, eu fiquei nervoso demais, como se fosse casa lotada em dia de estreia.Seus olhos captaram cada gesto, cada palavra, em seguida suas indicações me ajudaram muito. Reverencio a grande sabedoria daquele bigode. Linda homenagem Mauricio, grande abraco, foi otimo ter dividido aquele momento com ele e vc. Deus te abencoe.

 
Às 29 de julho de 2011 às 13:17 , Blogger Paulo de Moraes disse...

Belo texto, grande Mau.
Lembro desse dia em que ele foi assistir ANTES... Parecia muito encantado com o trabalho. Sempre acompanhava nosso trabalho nas temporadas paulistanas.
Beijo.

 

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