O HOMEM-MARIPOSA
No final da década de 60 uma família londrinense viveu um longo período de sofrimento, motivado por acontecimentos verdadeiramente inexplicáveis, entre eles a aparição de um asqueroso homem em forma de mariposa.
Dona Idalina e seo Firmino moravam na Rua Paranaguá por volta de 1966. O azul da casinha de mata-junta ornava com o verdinho do gramado do imenso jardim cortado por uma comprida e sinuosa passarela de vermelhão cercada de margaridas, que ia do portão até a varanda. O casal tinha muito amor às duas filhas Celimar e Maricel, de 10 anos, conhecidas também como as Gêmeas da Paranaguá.
A vida era um mar de rosas. Seo Firmino era motorista do Educandário. As gêmeas brincavam o dia todo, enquanto dona Idalina, trabalhadeira, cozinhava, limpava, lavava, passava e ainda costurava. Naquele tempo aquele trecho entre as ruas Tupi e Pio XII era um pedacinho do paraíso, e o silêncio da tarde era somente rompido por uma buzina de mão avisando que a Kombi do padeiro estava passando na rua.
Certa madrugada caiu uma tempestade. Dona Idalina não levantou da cama. Ardia em febre, delirava, falava obscenidades nunca ouvidas, e se recusava a ir ao Hospital Evangélico por mais que seo Firmino implorasse. Dois dias depois a febre baixou, mas a estranha doença de dona Idalina não arredou pé e foi ficando nela como uma praga. A vida da família parou por completo. A casa ficou de pernas pro ar. Nos finais de tarde os vizinhos podiam ouvir o choro amargo do pai e das gêmeas em torno da cama da mãe doente.
Com o passar do tempo o jardim e o quintal ficaram abandonados, o mato alto. A casa ganhou ares de luto fechado. Até a tinta a óleo da parede ressecou formando bolhas que as gêmeas furavam com agulha. Pra piorar, abatido e displicente, seo Firmino acabou sendo demitido.
Então aconteceu um fato estranho. Certo dia, ao cair da noite, as gêmeas se demoravam brincando no quintal sem atender aos chamados do pai de que entrassem. Maricel não saberia dizer se passou muito tempo ou se foi logo depois de seu pai chamá-las, quando viu algo se mexendo perto do varal que ficava no fundo do quintal, justo naquela parte onde as duas mais tinham medo de ir quando escurecia.
Maricel, mais atiradinha, agarrou a mão de Celimar e correu direto pro lugar onde tinha visto o vulto. Quase desmaiaram. Flutuando à meia altura as duas viram um ser alto, parecido com uma mariposa de cor cadavérica, com grandes asas nas costas e um par de olhos vermelhos. As asas batendo emitiam um som drapejante de trapos, e o cheiro que vinha era de cobertor velho, mijado e puído. Disso jamais se esqueceram.
O homem-mariposa olhou para elas com seus olhos de brasa, depois saiu voando para cima. A partir daí Maricel e Celimar começaram a ter visões e a predizer fatos que iriam acontecer. Não erravam nada. Um dos parentes, pessoa fútil e insensível, até se atreveu a perguntar se o Londrina seria campeão naquele ano, mas furiosas, as gêmeas soltaram um som estridente que aterrorizou os presentes. Mas a clarividência era um fardo. Muitas vezes as pobrezinhas choravam apavoradas com as imagens de tortura e morte que enxergavam no futuro não distante do país.
Com a alma destroçada pela doença da esposa que já se arrastava há um ano, e agora padecendo com a anormalidade das filhas, seo Firmino buscou socorro ao professor Sebastião Mendonça, psicólogo, mestre em Hipnose, a quem confiou o caso das gêmeas. Logo na primeira sessão ele conseguiu descobrir que não havia motivo para duvidar de que Maricel e Celimar haviam visto o tal homem-mariposa. As duas, serenas, demonstravam estar falando a verdade. Entretanto o professor se surpreendeu ao ouvir que elas já sabiam que ele viria ali com a missão de espantar o mal que se abatia sobre aquela família.
Foram Celimar e Maricel quem o instruíram. Era perto de umas sete da noite da sexta-feira. As gêmeas conduziram o professor Sebastião até o quarto onde dona Idalina jazia acamada. Entraram. Cada uma das gêmeas se posicionou dos lados da cabeceira da mãe. Seo Firmino, disseram, deveria ficar postado aos pés da esposa. Então deram o sinal ao professor. Ele ajoelhou com dificuldade e puxou um pires negro onde estava uma enorme mariposa branca com um alfinete fincado ente os olhos vermelhos. O professor Sebastião foi em direção à janela e a abriu deixando o ar do jardim invadir o aposento há tanto tempo trancado. Em seguida, retirou com cautela o alfinete da cabeça do inseto. A mariposa tremeu as grandes asas, então, veloz, voou embora mergulhando no escuro da noite morna.
Seo Firmino e as gêmeas começaram a chorar quando viram dona Idalina levantar-se, arrumar-se na penteadeira e ir direto para o fogão preparar o jantar. Como se nada tivesse acontecido.
Dona Idalina e seo Firmino moravam na Rua Paranaguá por volta de 1966. O azul da casinha de mata-junta ornava com o verdinho do gramado do imenso jardim cortado por uma comprida e sinuosa passarela de vermelhão cercada de margaridas, que ia do portão até a varanda. O casal tinha muito amor às duas filhas Celimar e Maricel, de 10 anos, conhecidas também como as Gêmeas da Paranaguá.
A vida era um mar de rosas. Seo Firmino era motorista do Educandário. As gêmeas brincavam o dia todo, enquanto dona Idalina, trabalhadeira, cozinhava, limpava, lavava, passava e ainda costurava. Naquele tempo aquele trecho entre as ruas Tupi e Pio XII era um pedacinho do paraíso, e o silêncio da tarde era somente rompido por uma buzina de mão avisando que a Kombi do padeiro estava passando na rua.
Certa madrugada caiu uma tempestade. Dona Idalina não levantou da cama. Ardia em febre, delirava, falava obscenidades nunca ouvidas, e se recusava a ir ao Hospital Evangélico por mais que seo Firmino implorasse. Dois dias depois a febre baixou, mas a estranha doença de dona Idalina não arredou pé e foi ficando nela como uma praga. A vida da família parou por completo. A casa ficou de pernas pro ar. Nos finais de tarde os vizinhos podiam ouvir o choro amargo do pai e das gêmeas em torno da cama da mãe doente.
Com o passar do tempo o jardim e o quintal ficaram abandonados, o mato alto. A casa ganhou ares de luto fechado. Até a tinta a óleo da parede ressecou formando bolhas que as gêmeas furavam com agulha. Pra piorar, abatido e displicente, seo Firmino acabou sendo demitido.
Então aconteceu um fato estranho. Certo dia, ao cair da noite, as gêmeas se demoravam brincando no quintal sem atender aos chamados do pai de que entrassem. Maricel não saberia dizer se passou muito tempo ou se foi logo depois de seu pai chamá-las, quando viu algo se mexendo perto do varal que ficava no fundo do quintal, justo naquela parte onde as duas mais tinham medo de ir quando escurecia.
Maricel, mais atiradinha, agarrou a mão de Celimar e correu direto pro lugar onde tinha visto o vulto. Quase desmaiaram. Flutuando à meia altura as duas viram um ser alto, parecido com uma mariposa de cor cadavérica, com grandes asas nas costas e um par de olhos vermelhos. As asas batendo emitiam um som drapejante de trapos, e o cheiro que vinha era de cobertor velho, mijado e puído. Disso jamais se esqueceram.
O homem-mariposa olhou para elas com seus olhos de brasa, depois saiu voando para cima. A partir daí Maricel e Celimar começaram a ter visões e a predizer fatos que iriam acontecer. Não erravam nada. Um dos parentes, pessoa fútil e insensível, até se atreveu a perguntar se o Londrina seria campeão naquele ano, mas furiosas, as gêmeas soltaram um som estridente que aterrorizou os presentes. Mas a clarividência era um fardo. Muitas vezes as pobrezinhas choravam apavoradas com as imagens de tortura e morte que enxergavam no futuro não distante do país.
Com a alma destroçada pela doença da esposa que já se arrastava há um ano, e agora padecendo com a anormalidade das filhas, seo Firmino buscou socorro ao professor Sebastião Mendonça, psicólogo, mestre em Hipnose, a quem confiou o caso das gêmeas. Logo na primeira sessão ele conseguiu descobrir que não havia motivo para duvidar de que Maricel e Celimar haviam visto o tal homem-mariposa. As duas, serenas, demonstravam estar falando a verdade. Entretanto o professor se surpreendeu ao ouvir que elas já sabiam que ele viria ali com a missão de espantar o mal que se abatia sobre aquela família.
Foram Celimar e Maricel quem o instruíram. Era perto de umas sete da noite da sexta-feira. As gêmeas conduziram o professor Sebastião até o quarto onde dona Idalina jazia acamada. Entraram. Cada uma das gêmeas se posicionou dos lados da cabeceira da mãe. Seo Firmino, disseram, deveria ficar postado aos pés da esposa. Então deram o sinal ao professor. Ele ajoelhou com dificuldade e puxou um pires negro onde estava uma enorme mariposa branca com um alfinete fincado ente os olhos vermelhos. O professor Sebastião foi em direção à janela e a abriu deixando o ar do jardim invadir o aposento há tanto tempo trancado. Em seguida, retirou com cautela o alfinete da cabeça do inseto. A mariposa tremeu as grandes asas, então, veloz, voou embora mergulhando no escuro da noite morna.
Seo Firmino e as gêmeas começaram a chorar quando viram dona Idalina levantar-se, arrumar-se na penteadeira e ir direto para o fogão preparar o jantar. Como se nada tivesse acontecido.
[Publicado na Folha Norte em janeiro de 2010.]
A ilustração acima é de autoria do jovem desenhista e grande amigo João Paulo, que mantém o blog Vidro Embaçado (veja ao lado), e que me presenteou com sua visão do Homem-Mariposa quando lhe enviei o conto em caráter inédito.
4 Comentários:
Genial.
Obriogado, Lalo!
Oi Maurício! Tudo bem? Veja só o que aconteceu hoje: uma senhorinha japonesa que mora perto da minha casa veio até aqui perguntar se eu não queria emprestado o livro "Londrinenses". Isto porque ela sabe que eu gosto de ler e ela tinha achado o livro ótimo. Bacana, né? Achei que vc ia gostar de saber... beijo!
Claudia! Que coisa mais legal! Adorei saber, aliás isso já é um presente! Que bom que as pessoas estão curtindo. Não há melhor retorno do que esse pra gente que escreve. Obrigado e beijo.
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