sexta-feira, 3 de abril de 2009

Wavelenghts

O professor Aristides enxergava o infinitamente pequeno. Sua energia vital era infinitesimal e, por conseqüência, era capaz de aparecer sem ser notado, de passar completamente despercebido mesmo entre os mais medíocres mestres de sua disciplina. Talvez porque com o passar do tempo estivesse ficando esquecido ou porque envelhecer para ele fosse um lento apagamento de rostos conhecidos, optou por calar-se abdicando de toda e qualquer vontade de pensar, falar ou escrever.
Em seu silêncio remoía particularidades de uma polêmica contra um jovem colega da qual saíra derrotado, concluindo daí que sua existência não passara de um sonoro fracasso, o qual, posteriormente, o conduziria ao alcoolismo e ao mais doloroso dos descréditos acadêmicos. Afinal, o falecido professor Aristides, mestre de física de um importante colégio estadual de nossa cidade, veneradíssimo por seus alunos, homem dotado de minuciosa inteligência, perito na paciente decifração de espectros de ondas, cristas e manchas solares, na opinião de muitos, era quase um tipo popular.
Ele se sentia muitíssimo só naquela noite de inverno em que a chuva urdia sua música melancólica chocando-se contra as vidraças. Contudo, por uma fração de segundos, pensou na imperceptível diferença entre o joio e o trigo, na mínima dimensão do grão de mostarda em relação à imensa árvore da qual nasce, na fugacidade do último hálito de perfume de uma flor que murcha. Então o franzino professor soube que a alma vale o peso de um sonho. Na sala de aula vazia seu rosto enrugado se iluminou pela primeira vez depois de tantos anos. Ele cambaleou em direção ao quadro negro e rabiscou, finalmente, a grande fórmula da sua vida. O giz estava úmido. Jamais pôde ler o que escreveu. Quando a zeladora o encontrou, relâmpagos refletiam nas grossas lentes de seus óculos.

(Conto publicado no jornal Espaço Plural - Unioeste, ano IV, n. 9 - setembro de 2002)

2 Comentários:

Às 4 de abril de 2009 às 13:27 , Blogger Marcelo Bones disse...

Ei Maurício,
Cheguei, li, gostei e estarei sempre por aqui. Um forte abraço
Marcelo Bones

 
Às 4 de abril de 2009 às 14:59 , Blogger Maurício Arruda Mendonça disse...

Oi, Marcelo! Valeu! Como é que vc está? Correndo muito, pra variar né? Abração!

 

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