O MANÍACO DAS CALCINHAS
No final da década de 70, uma série de atentados ao pudor semeou pânico entre a população e deixou a delegacia de Londrina em polvorosa. Passados trinta anos, esse curioso quebra-cabeça policial ainda permanece insolúvel.
Tara
O homem é capaz de desenvolver as mais estranhas taras. Tão estranhas que, em certos casos, acreditamos que elas não façam parte da vida real. “– Isso aí só acontece em filme”, dizemos entre risos amarelos, meio que querendo disfarçar nossa surpresa (ou excitação), já que sabemos por experiência que o ser humano é capaz de tudo. Tudo mesmo. Aliás, falando sinceramente, nem é algo assim tão surpreendente cultivar uma tarazinha. O leitor ou a leitora, pessoas maduras e sem hipocrisia, admitirão tranqüilamente que alguma vez na vida já nutriram alguma tara romântica ou sensual em seu íntimo. Afinal, somos todos feitos de carne e osso. Porém, o que o leitor ou a leitora jamais fizeram foi pôr em prática taras de caráter criminoso, como fez um indivíduo verdadeiramente anormal nos idos dos anos 70.
O caso ocorreu na época em que o Dr. Natel Gomes de Oliveira era delegado. Londrina era uma cidade relativamente pacata. Os crimes eram na maioria de abandono material, lesões corporais, pequenos furtos. Assassinato era coisa tão rara que dava manchete de primeira página. A droga ainda não era essa indústria milionária que vemos hoje. Mesmo assim, ninguém, nem a lei nem a polícia, poderiam evitar que fantasias sórdidas fervilhassem na mente de um desequilibrado que ficou conhecido como “Tarado das Calcinhas”.
Procedimento
O criminoso agia na calada da noite. Atacava só vítimas do sexo feminino. Detalhe: todas casadas na faixa dos 25 anos. O tarado executava o mesmo ritual: seguia as mulheres e invadia seus quartos à noite. Enquanto elas dormiam tranqüilamente ao lado de seus maridos, o criminoso agia. Com paciência e agilidade, cortava um pequeno pedaço da calcinha da vítima. Depois, masturbava-se sobre a cama do casal. Saciado, levava consigo a tira de tecido e fugia nas sombras da noite. Numa dessas investidas, uma senhora acordou, gritou, mas o tarado conseguiu escapar pela janela.
Mistério
Três décadas depois sabemos que, pela freqüência dos crimes, tratava-se de um tarado serial, pois o indivíduo repetia os mesmos atentados ao pudor numa seqüência inteligente e metódica. Apesar das investigações realizadas os crimes permaneceram sem solução. Para desconforto das vítimas, das autoridades e da população londrinense, o maníaco jamais foi identificado, evaporando em névoas de mistério. Por isso, se os inquéritos policiais não levaram à abertura de processos por impossibilidade de se determinar a autoria dos crimes, por outro lado, é questão de bom-senso não desprezar os boatos que corriam à época. Comentava-se que o criminoso era um conhecido cidadão da classe média alta que teria passado por uma tremenda desilusão amorosa.
Repressão
O que a imaginação popular dizia é que esse cidadão, antes de tornar-se maníaco, estava noivo de uma linda moça de corpo escultural. Religioso e, por conseguinte, respeitador da castidade sua e da noiva, jamais tivera a mais mínima visão do corpo da amada. Lançar o olhar no abismo de seu decote, por exemplo, fazia com que ele ensopasse os olhos com água-benta. Tocar na noiva então era um sonho que ele acalentava longa e ardentemente, porém, só depois do casamento. A moça, por sua vez, lhe atiçava o desejo. Adorava ver o rosto vermelho do noivo ao mostrar-lhe a calcinha branca que ela iria usar na lua-de-mel. E dizia, com deliciosa malícia:
– Vou te enlouquecer com essa calcinha. Você vai tirar ela devagarinho e depois...
E ele se arrepiava inteiro num frisson que só desafogava mais tarde, em banhos demorados, num prazer solitário e manual.
Trauma
Entretanto, às vésperas do casamento acontece a catástrofe. Depois de noivar, fazer planos, tomar copos de groselha e mordiscar canudinhos de maionese, despede-se no portão de balaústre com uma bitoca respeitosa na testa da pequena. Sai caminhando no ar da noite tecendo altas fantasias sobre sua grande noite de sexo com sua futura esposa. Porém, ao chegar ao ponto de ônibus da antiga Viação Urbana Londrinense que, aliás, ficava distante, percebe que esqueceu a carteira. Irritado, dá meia volta e retorna em direção à casa da noiva. Uma quadra antes de chegar à casa, repara um Ford Corcel azul claro estacionado sob a penumbra de uma grevílea que filtrava a luz da lua. Reparou também sua noiva vindo estranhamente na direção daquele automóvel trajando uma saia rodada. Estarrecido, o noivo se aproxima do carro. Agacha-se cauteloso e espia através das janelas do Corcel. O que viu foi rápido em comparação com a lenta agonia de seu amor tão ingênuo. Viu sua noiva atracar-se a outro homem. Viu os beijos devassos que trocavam. Viu quando o homem ergueu a saia, e puxou com prazer canalha a calcinha de sua noiva, que rebrilhou, alvíssima, contra o luar indiscreto. Justamente a calcinha que ela tantas vezes lhe mostrara e que prometera somente usar na sua ardente e inesquecível lua-de-mel.
Perseguidas
Daquela noite em diante o noivo teria se tornado um perigoso maníaco. Para aplacar sua terrível desilusão, passou a encenar sua lua-de-mel com as vítimas. Espreitava as mulheres casadas nas casas de lingeries do centro e as seguia para roubar-lhes um pedaço de sua intimidade. O infeliz maníaco queria vingar-se e saciar-se na mesma cama onde esposas e seus maridos dormiam o sono dos justos. Após seu último atentado, o tarado desapareceu. Teria mudado de cidade? Teria se curado do mal psicológico? Ainda caminha livre pelas ruas de Londrina? São perguntas que permanecem desafiando a perspicácia de muitos.
(Este conto foi publicado na Folha Norte em 2007 e novamente publicado na revista Taturana, publicação da Kinoarte. Integra o volume "Londrinenses" que, como já disse, haverá de sair neste ano da graça de 2009. A foto é de Maísa Vasconcelos - flagrante da cidade do Crato - Ceará).
4 Comentários:
uma delicia! E a foto que ilustra o texto e' fantastica. Sabes de quem e'?
Lapso meu! A foto é de autoria de Maísa Vasconcelos. Já incluí nas minhas explicações do conto. Valeu!
Um blog de “responsa”,é um prazer ter um blog de um escritor do seu calibre,sempre nos informando e nos conscientizando.Maurício,sobre o “ artigo–conto ” o que tenho a dizer : sensacional.Tanto a história quanto a maneira que você apurou a “ palavra ”.Um abraço.Diogo Mendes
Pô, valeu aí, Diogo. Tô só precisando manter esse blog em dia, mas, como eu sou meio lento e estou concentrado num trabalho estou em falta como os amigos que aqui visitam. Mas, obrigado. Vou ver se continuo mandando ver aqui. abraço.
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