quinta-feira, 16 de abril de 2009

A ESPADA DA JUSTIÇA


Existem muitas maneiras de escrever a história de uma cidade. Podemos contar uma história focalizando somente os “homens de bem”, os vencedores, os pioneiros. Podemos, também, investigar o que foi soterrado por essa história “oficial” e garimpar as paixões humanas, o que sucede ao povo, aos mais humildes, acontecimentos que são banidos dos anais escritos pelos "melhores" da sociedade. Com efeito, exatos 5.323 processos criminais tramitaram no antigo Fórum de Londrina entre os anos de 1932 a 1970. Hoje esses autos estão devidamente guardados nos arquivos do Centro de Documentação e Pesquisa História da Universidade Estadual de Londrina. Em rápida visita ao CDPH vesti minha beca de advogado desbotada como um velho guarda-chuva, mergulhei na poeira dos processos para me debruçar sobre alguns casos. Eles são tanto objeto de minha curiosidade jurídica quanto registros do corpo e da alma londrinense nas décadas de 40, 50 e 60. Espero que estes resumos - adaptados pela ótica deste escriba - sejam de vivo interesse aos marujos elétricos que singram as ondas deste “imbloglio”. Vamos a eles:


Defloramento


Abril de 1941. Brilhos faiscavam na noite. Diana (nome fictício) foi com duas amigas crianças a um inocente Parque de Diversões. Eram cerca de 21h30min quando ela encontrou-se com Nereu (nome fictício), que era motorista de “jardineira”. Nereu era um paquera de Diana. Estranhamente ríspido naquela noite, Nereu deu uma moeda a uma das amigas e ameaçou a outra. Disse a elas que dessem o fora e fossem se divertir no Parque. Ato contínuo, segurou firme no braço de Diana e a arrastou até um matagal escuro onde, voraz, rasgou-lhe imediatamente o vestido e as vestes íntimas tentando manter relações sexuais à violência. Só não conseguiu a cópula porque Diana resistiu bravamente. Diana desvencilhou-se de Nereu e fugiu. O pai de Diana foi à delegacia. Após exames de corpo delito, constatou-se que Diana havia preservado a virgindade intacta. Quanto a Nereu, pegou dois anos de cadeia.

Mauzer

Reinaldo (nome fictício), aproximadamente 25 anos, era amasiado há três anos com Eulália (nome fictício), 26 anos. Eulália era casada com outro homem, mas tinha largado seu marido e estava pousando numa pensão da Vila Matos, conhecido bairro da prostituição da cidade. Reinaldo queria tirá-la da pensão, mas Eulália não aceitava. Ela até já tentara se afastar de Reinaldo porque a família dele era contra e estava escrevendo uma série de cartas ofensivas contra ela. O casal vivia então melancolicamente.
Numa madrugada de abril de 1950, Reinaldo tomou umas cervejas a mais. Entrou no quarto da pensão para dormir. Eulália já estava deitada. Reinaldo sentou-se na cama e quando foi tirar a sua pistola Mauzer, calibre 4,6 da cinta, arma disparou acertando o seio direito de Eulália. Desesperado, vendo sua amada morta, não teve dúvidas. Decidiu suicidar. Colocou a pistola contra a sua fronte direita e disparou.
Ensangüentados os dois foram levados às pressas para a Santa Casa. Nenhum dos dois morreu. Na realidade, até que se recuperaram depressa. Eulália perdoou Reinaldo. O processo foi arquivado.

Acidente Aéreo

Por volta do meio dia de 13 de dezembro de 1950, um Douglas DC 3, prefixo PP SPT da VASP, vindo de Ourinhos, decola da “aviação velha” de Londrina com destino a Mandaguari. Segundo o co-piloto, após taxear para a cabeceira, na corrida para decolagem, quase no fim da pista, pressentiu que o motor esquerdo falhava. O avião levantava vôo de cinco a dez metros, mas, como o motor direito impulsionava o avião, este pendeu para o lado esquerdo sem funcionamento, vindo a tombar sobre um bar existente do lado esquerdo, há cerca de 50 metros da pista. Na queda do avião sobre o humilde estabelecimento, três pessoas morreram esmagadas. Ficaram destruídos o bar e mais dois barracões. O piloto teve tempo de desligar todos os motores para evitar explosões. A frente do Douglas ficou bastante avariada, mas os 19 passageiros e quatro tripulantes nada sofreram. O processo foi arquivado porque “não houve crime a punir”. Porém a aeronáutica, em laudo, atribuiu o acidente à falta de manutenção da aeronave, já que um outro Douglas da VASP, acidentou-se no dia seguinte na cidade de Ribeirão Preto de pelos mesmos motivos. Quanto aos três mortos, nada foi dito, nem providência tomada.

Lupanar

Por muitos anos aquela enorme casa de mata-junta permaneceu um enigma para os moleques que moravam na Vila Higienópolis. Sabia-se por mais de uma fonte segura que aquela casa era mal assombrada, que estranhos casos paranormais ocorriam ali. Nas noites quentes de verão de 1972, dava medo passar em frente da casona da Rua Antonina porque as árvores ocultavam a luz dos postes e estava-se a algumas quadras do cemitério. Mas não havia perigo. O pior aconteceu antes.
No dia 2 de janeiro de 1962 foi quando tudo acabou. Por ordem do Dr. Juiz da Vara Criminal, em atendimento ao abaixo assinado das famílias de bem da Vila Higienópolis que não mais suportavam aquela “casa de tolerância, com seus espetáculos indecorosos, sua algazarra, movimento de carros diuturnamente”, pôs-se um fim às noites de orgia da inesquecível “Casa da Palmira”. Vazia, sem a farra e a alegria de suas meninas, aquela casa só podia tornar-se “mal assombrada”.

(Estes pequenos contos fazem parte do livro "Londrinenses" que irei publicar este ano)

3 Comentários:

Às 16 de abril de 2009 às 16:42 , Blogger Micha disse...

so espero que se possa comprar online. Deliciosa ideia!

 
Às 17 de abril de 2009 às 08:01 , Blogger Paulo Briguet disse...

Está muito bom o seu blog, Maurício. Só lembrando que seu livro está aqui comigo. Apareça no jornal para resgatá-lo e tomar um café.
E estou ansioso para ler "Londrinenses"!

 
Às 17 de abril de 2009 às 09:05 , Blogger Maurício Arruda Mendonça disse...

Obrigado, Paulo. Tô na correria mas verei um tempo pra pegar o livro. Quanto ao "Londrinenses" terá de sair este ano impreterivelmente. Abraço.

 

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