quarta-feira, 8 de abril de 2009

JOHN FANTE - 100 anos

Hoje quem estaria apagando 100 velinhas no bolo é esse italianinho invocado da foto, nascido nos EUA. Sujeito cascagrossa, petulante, doido por um rabo de saia, e um coração dotado de incrível ternura. Estranho mesmo que esses terremotos na Itália estejam acontecendo nos Abbruzzi, região de onde vieram os Fantes.

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Fante teve momentos de sucesso com seus romances "Pergunte ao Pó" e "Cheio de Vida" mas, por ter uma obsessão pela sobrevivência, aceitou ser roteirista de filmes B de Hollywood para tentar ganhar muito dinheiro (não ganhou) deixando de lado sua verdadeira arte: a de prosador comparável a Hemigway, com lampejos de Dreiser e Dostoievsky. Tendo caído no ostracismo literário desde os anos 50, foi "redescoberto" pelo escritor de rua Charles Bukowski em 1977. O tragicômico da vida de Fante foi que ele morreu justamente quando sua obra começou a ser aclamada no mundo todo.

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Quando moleque cheguei a assistir na "Sessão da Tarde" alguns filmes com roteiro de John Fante, sem saber. Um deles, a história de um santo que voava. No original chama-se "The Reluctant Saint" de 1962. Lembro-me de uma cena em que o grande cardeal resolve largar toda a pompa do mosteiro onde se hospedara e resolve ir para a estrebaria e conversar com o rapaz humilde que cuidava dos animais e que os padres não deixavam estudar no seminário. Os dois comem algo assado no espeto. O Bispo saca que o rapaz é uma alma pura e sublime. No final aquele rapaz santo (agora aceito pelos padres) saía caminhando em procissão com os colegas e precisava ser puxado pela batina senão saía voando. Crença em milagres à parte, eis uma bela imagem de uma alma mais leve do que o ar. O santo da história de Fante é São José de Cupertino, do século 17.

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Outro que vi era um seriado assinado por Fante: "A História de Maya", sobre a amizade de um menino indiano com um elefante. Isso deve ter passado na TV por volta de 1969 ou 1970.

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O que interessa é que Fante escreveu grandes livros: "Espere a primavera, Bandini" (1938); "Pergunte ao Pó" (1939), "Sonhos de Bunker Hill" (1982). Fante é considerado o grande escritor da cidade de Los Angeles, o que melhor a cantou em prosa. Sua obra é hoje estudada como um dos primeiros registros da vida dos imigrantes na sociedade americana, e por isso tem um caráter profundamente social. É o caso da paixão cheia de preconceitos de Arturo Bandini (imigrante que se achava americaníssimo) pela mexicana Camila Lopez em "Pergunto ao Pó", aliás uma história sensacional de linda. E pensar que Fante se encontrou com Coppola pessoalmente porque o diretor queria filmar "Pergunte ao Pó" com Robert de Niro no papel de Bandini...

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Sobre John Fante tem muita coisa a ser dita de bacana. Uma delas é que "Pergunte ao Pó" chegou para nós pela Brasiliense nos anos 80 e fez a cabeça. A tradução era de ninguém menos do que Paulo Leminski. Li não sei onde um diretor de teatro dizendo com um pedantismo de "dono de Fante" (sempre tem esses tipos por aí) que Leminski traduziu Fante sem conhecer Fante direito e outras baboseiras. O cara não atinou que nem nos EUA o Fante era conhecido e estudado quando Leminski traduziu (em caráter inédito) no Brasil em 1987. Aliás, a biografia do Fante é de 2000. Recentíssima, portanto. E pra encerrar a pinimba, sejamos francos: é ou não é demais ler Fante traduzido por um poeta prosador como Leminski?

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Sempre com uma literatura autobiográfica, "Pergunte ao Pó" é na realidade a saga do próprio John Fante, pobre de marré, com sua máquina de escrever num quartinho infecto em Los Angeles, tentando se tornar escritor, escrevendo cartas e mais cartas para aquele que se tornaria seu mentor, H.L. Mencken que, surpreendentemente, respondia a TODAS as cartas do jovem Fante. Há inclusive um imenso volume com estas cartas já publicado nos EUA. Vejam só como Leminski deixa Fante falar com graça e ritmo sobre esse rapaz que sonha ser escritor numa cena em que transparece um humor indisfarçavelmente italiano:

"Ninguém nunca recebeu tantas cartas de Hackmuth, só eu, e eu saía por aí com elas lendo e beijando cada uma. Eu parava na frente da fotografia de Hackmuth chorando como uma vaca, gritando que desta vez ele tinha apanhado um dos bons, um dos grandes, um Bandini, Arturo Bandini, eu."

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É muita coisa pra dizer de John Fante. Mas nesses 100 anos de nascimento, eu só queria dizer a ele, em qualquer lugar onde ele esteja, que cada um dos seus livros vão continuar me emocionando pra sempre. Que eu não seria o que sou sem eles. Que ele está na minha cabeceira, porque, sim, ele é um dos grandes. Feliz Aniversário, Bandini!

4 Comentários:

Às 10 de abril de 2009 às 18:25 , Blogger blog do yuri de v. sampaio, vim de longe, pelo fio do telefone e nas ondas espaciais disse...

Mauricião querido, tem uma foto tua na folha na floresta do dia 7 de abril, confere lá abraços

 
Às 10 de abril de 2009 às 18:54 , Blogger Guiga disse...

li "pergunte ao pó", e agora lembrei que começei a ler "1933 foi um ano difíl" preciso descobrir onde deixei o livro.

 
Às 10 de abril de 2009 às 20:05 , Blogger Maurício Arruda Mendonça disse...

"1933 foi um ano ruim". É uma pequena novela, mas tem um pique, um ternura no final que vc merece que vc encontre rapidamente o teu exemplar. Abraço.

 
Às 10 de abril de 2009 às 20:18 , Blogger Maurício Arruda Mendonça disse...

Oi, Yuri! Conferi lá e deixei um comentário. Obrigado pela imagem que nem mais imaginava que existia! Saudades daquelas tardes vermelhas do inverno londrinense na tua casa acolhedora e criativa da Rua do Escoteiro, 78.

 

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