terça-feira, 7 de abril de 2009

VENDE-SE METAFISICA


— O que ele disse do crime, ninguém sabe. Um estandarte, uma apólice e lá está ele: uma três por quatro lateral. Nada ficou esclarecido, mulatas drogadas apareceram sorrindo no apartamento dele horas depois. Sabe, queriam detonar, descolar um brauzete, e ir prums bailes numas, claro, com uma sete meia cinco cintilante sorrindo dentro da bolsa, dispostas a apagar o cara mesmo. Nunca ficou provado se eram ou não eram peças chaves. Semanas atrás levantaram certa possibilidade duvidosa. Mas o homem foi cético. Não queria arriscar um palpite, talvez mais certeiro, que chegasse ao centro da questão: responder uma porção de perguntas que ficaram pedentes desde aquela época, desde que aquele caso tirou o sono de muita gente. Bom, no fim das contas as mulatas faziam parte de um coro gospel, tinham lançado CD e tal, farras em Miami depois de serem batizadas nuas num rio, louvores, descarregos, esses troços.

Realmente, digna de nota a trajetória deste homem singular, se é que podemos chamá-lo assim. Era cauteloso, discreto, metódico, bem apessoado, mais ao mesmo tempo, audaz, grosseiro, vulgar e perigoso. Nunca puxou uma etapa, pelo que eu saiba. Acredito que o ponto de intersecção de seu estranho caráter era a inteligência rara, a cara de pau, e a maneira com que usava os recursos que tinha à sua disposição. Evidente: comunicador fantástico. Manjava de microfone e de câmera como ninguém. Manobrava o cara e coroa do real irreal, do visível invisível. Era uma profissional. É bem verdade que naquele seu estilão. Com as receitas de sempre: pagava atores desconhecidos para encenar as tragédias de massa, tipo marido-que-bate-na-mulher-e-não-traz-comida-pra-casa, então o sujeito começa a beber, espancar os filhos, etc. Nuvem de lágrimas, entende? Tinha também a esquete do cara-que-cheirava-e-bebia-pinga — coisas meio contraditórias — naquela linha músico-viciado que “Quanto mais eu tinha mais eu usava e não queria mais sair daquela vida”, saca? Falsos amigos, maus conselhos, pequenos crimes, mãe que leva camisa dele pra benzer, uma escalada de misérias que faz com que as pessoas só pensem numa coisa: libertação. A receita fazer o cara trocar um vício por outro. O tóxico pelo divino. Dá resultado por causa da fissura. Esse é o segredo: a fissura. Num ou noutro caso ela sempre permanecerá a mesma.

Um elemento muito pirado mesmo. Era um camaleão. Bom, isso nem precisava dizer. Olha, tem gente séria que diz que ele atende uma faixa de público muito interessante, que botou um produto competitivo no mercado e agora taí. Só que, tanto tempo depois, o negócio explodiu. Metralhadoras, coletes a prova de bala, diversos calibres, arsenal da marinha, coisas de praxe. Esses caras não têm limite mesmo. Uma vez ouvi uma dele... Evidente, esse tipo de cara só arma coisa grande, estruturada, muita gente envolvida, celulares, computadores, parará. Tive um amigo que caiu nessa. Diz que se converteu do fundo da merda da alma enlameada dele. Só que meu ex-chapa montou uma fábrica, sei lá, uma estamparia e começou a bolar umas camisetas, coisa de primeira mesmo, descolou franchising de uma gravadora gospel americana e estourou de ganhar grana. Não sem antes adicionar à sua mensagem sorteios de BMWs e viagens à Terra Santa, etc. Porém, centenas de almas foram pro Procom...

Nessa época ele tava casado com uma maluca que parecia que tinha um enxerto de tigre de pelúcia na cabeça. Só a vida dessa mulher já dava um filme. Começou cedo, nas quebradas dos 60. Esoterismos, em geral. Lembro de uma reportagem que fizeram com ela. Ela passava uma coisa erótico-angelical. Vendo na tela você não conseguia despregar os olhos da cara dela. E ele dizia sussurando com um lábio carnudo: “Deus é uma coisa quentinha por dentro.” Deixava qualquer um excitado em Cristo. Doido pra gozar as graças divinas. Enfim, o negócio envolvia TV. Era um espécie de sex-shop-religioso, saca? Eu me perguntava: imagina pra cabeça desse povo?

No fim das contas ninguém sabe dizer de onde eles apareceram. Argentina, supõe-se. Mas enfim eles acabaram entrando na vida de muita gente. Eu acredito que eles começam a aparecer como cópia de alguma coisa. Imagina uma prateleira de copos do mesmo modelo e tamanho, uma prateleira imensa só com um único tipo de copo, se você tem sede e precisa resolver o problema de não ter copos, você vai, estica a mão e pega. Não tem que pensar muito. Então, eles são justamente esta prateleira. Daí dá pra entender como entra o papo de libertação. Dizem que essa mulher escreveu uns livros antes de juntar com o cara. Uns livros esquisitos, adoradores de Rá, misturado com várias conversas, fácil de compreender, bom pra dar de presente pras pessoas no natal. Um amigo fez uma excursão até o lugar onde era a sede da seita. As famosas excursões que ele promovia todo mês. Alugavam uma van. Era numa chácara, rolou um papo de lavagem cerebral, surubas rituais. Até que engravidaram a filha de um deputado federal. Abafaram. O cara era forte. Abafaram. O cara e a mulher não foram em cana dessa vez. Tinha um monte de relações no judiciário. Até que ouvi que os negócios tinham melhorado. Foi em Miami ou Orlando? Miss Brasil-EUA naquele carnaval pra gringo ver. A mina do estado de Montana faturou e os caras ficaram na cola dele. Coisas como faixas de miss com cocaína no forro, um anúncio no New York Times. O golpe da pirâmide de dólares também colou entre os burgueses. Consolaciòn! Este era o nome dela. Ou seja, antes, e não depois do chute. Explodiram o bunker deles e não descobriram muito, só uma coleção de camisas de futebol. A sorte os acompanhava como um espectro.

(Escrevi esse conto em 1995 após passar incontáveis madrugadas assistindo programas religiosos. Aliás, tenho um interesse grande por eles independentemente da confissão religiosa, seita ou sociedade caritativa com ou sem fins lucrativos. Tal predileção inclusive foi motivo de efusivos protestos de familiares e amigos que tentavam demover-me de tal prática. De qualquer forma, vai aí o produto de minhas antigas vigilias transcendentais)

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